quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

2000 caracteres

"É a única rua de Lisboa com o trânsito ao contrário, sabias?". Não sabia e é por isso que atravesso em frente dos carros tantas vezes. Eles apitam e eu dou uma corrida. "O trânsito é ao contrário, não me posso esquecer".
A mala esta pesada, cheia de papéis rabiscados que demoro semanas a deitar fora. Nunca se sabe. Nas mãos há sempre um casaco, um cachecol, este inverno está uma treta, nem sequer faz frio. Já não basta a eterna ausência de neve.
Às vezes quero calar a cabeça. Ficar com o olhar preso no nada, simplesmente. Nasci com uma estranha deficiência de não conseguir não pensar em nada. Deve ser por isso que os meus sonhos não se entendem, colagens sobrepostas de pensamentos a mil à hora.
O mundo inteiro na minha cabeça. A China, o Saramago, o bolo de chocolate e o senhor que passeia o cão à noite. O café da máquina, as saudades da amiga, o verso do poema, os olhos ansiosos do namorado. Israel, EUA, Bruxelas. O Tratado de Lisboa e a série de televisão que deixei de ver. Que será feito da Rory?
Desligar a cabeça.
Como? Talvez o David Lynch saiba, ele medita, ele vai criar uma universidade da meditação. Curioso...
Mas agora o mundo todo são palavras a esferográfica num bloco azul. "Por favor, não diga mais, porque eu não sei escolher". Na minha cabeça cabe o mundo. E o mundo tem que caber em 2000 caracteres. Copyfit.

domingo, 20 de janeiro de 2008


“I went to the woods because I wanted to live deliberately,

I wanted to live deep and suck out all the marrow of life,

To put to rout all that was not life

and not, when I had come to die

Discover that I had not lived.”

Dead Poets Society

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

A lei "fascista"

"2 Nunca tive tanta noção de o tabaco ser uma droga como nos últimos 15 dias, após ler textos alucinados por parte de colunistas habitualmente respeitáveis como Vasco Pulido Valente ou Miguel Sousa Tavares. O que eles têm escrito sobre a nova lei do tabaco, deitando mão a comparações que deviam envergonhar qualquer pessoa que tenha lido dois livros de História, é de tal modo inconcebível que só se explica pela carência de nicotina. Eles fingem que um café inundado de fumo é coisa que não incomoda ninguém. Eles chamam fascismo a uma decisão que chateia dois milhões de portugueses e protege oito milhões. E Sousa Tavares conseguiu mesmo a proeza de afirmar no Expresso, sem corar de vergonha, que a lei faz "lembrar, irresistivelmente, os primeiros decretos antijudeus da Alemanha nazi". Ora, isto não é texto de um colunista prestigiado - isto é conversa de um junkie a quem o dealer cortou na dose. Faço, pois, votos que os fumadores descompensados acabem de ressacar rapidamente, para o bom senso regressar e nós podermos voltar a lê-los com gosto."

João Miguel Tavares, in Diário de Notícias

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

O P vermelho

São mesas e mesas a perder de vista. Mesas e cadeiras e computadores cinzentos. Algumas televisões, telefones em constante cantarolar. Papéis, canetas, tic tic tic, o som de teclas já está integrado nas paredes.
E jornais. Jornais de ontem, de hoje, de há um mês (de há um ano?). Suplementos em montinhos ou soltos por aí. Jornais de cheiro a papel, jornais amarelecidos, jornais por todo o lado.
Respiro fundo e sabe bem. Sabe a jornal. Ouvem-se conversas de jornal, as pessoas têm cara de jornal. Sabe bem.
À entrada do prédio verde há um P vermelho. Olho para ele todos os dias, numa pausa quase imperceptível, antes de entrar um tanto insegura. O segurança ainda não me conhece bem, às vezes pergunta o nome. Não sei bem se pertenço, mas entro cheia de orgulho. Insegura mas orgulhosa.
A casa de banho tem a imagem habitual da menina de saia e o menino de calças. E por cima o P vermelho. Penso sempre "tenho que tirar uma fotografia a isto", mas parece-me sempre ridículo fotografar a porta da casa-de-banho. "Estes estagiários são mesmo estranhos", vão pensar.
Não quero que pensem que sou estranha. Nem normal. Não, não, normal não. O normal não fica na memória. O normal nem sequer deixa saudades. Eu quero que tenham saudades. Quero ser "relembrável".

Dizem-me "ainda agora começaste". Mas o que não sabem, é que aqui o tempo passa mais depressa. E num dia, foram três meses.
Já? Sim, já.

domingo, 6 de janeiro de 2008

"Quando, no Verão de 1982, comecei à procura de emprego, houve um único jornal em que, em vez de me responderem que deixasse um currículo na secretária, me convidaram a falar com o director: foi o "Expresso", então dirigido por Augusto de Carvalho, que escutou pacientemente os meus sonhos e me encomendou - sem compromissos, evidentemente - um dossiê pormenorizado sobre a industrialização em Portugal. Não cheguei a tentar fazer o tal dossiê, porque entretanto fui chamada para um estágio em "O Jornal". Mas registei a disponibilidade e o alento do director do "Expresso", em cuja redacção viria a ingressar sete anos depois, sob a liderança de José António Saraiva e Joaquim Vieira, depois da saída de Vicente Jorge Silva e de um vasto grupo de jornalistas, para a fundação do "Público".

(...)

Uma das vantagens de um jornal testado pelo tempo, como o "Expresso", é essa, de manter o seu perfil inabalável, por sob as múltiplas vestes da contemporaneidade. Neste jornal pude aprender um pouco de tudo: tive oportunidade de fazer reportagens e entrevistas de política, de cultura e de sociedade, além de crítica literária. Tive, sobretudo um bem precioso que escasseia perigosamente em muita imprensa: tempo. Tempo para recolher informação, e para ler e pensar antes de escrever."

Inês Pedrosa, in Única
Definitivamente, nasci na década errada.

sábado, 5 de janeiro de 2008

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Canário

"É aqui que põem os que quebraram as regras. Os que prejudicaram outros. Assassinos, violadores, burlões simpáticos, traficantes, pedófilos, os que puxaram de uma faca quando a vítima do assalto resistiu. Os que esconderam graveto ao fisco. Os que tinham uma prestação para pagar e se foram atrasando. Os que puseram veneno no leite da mãe velha, meses a fio, até ela espumar da boca e se ficar, de olhos arregalados, a pensar no que é que aconteceu. Tome lá o seu leitinho morno, mãe, já sabe o que disse o médico, a osteoporose ataca quando menos se espera. E depois voltam para a sala, mudam o canal à televisão, acendem um cigarro, estava a ver que nunca mais. Os que estavam fartos que o vizinho mudasse o rumo ao ribeiro da horta e um dia saíram de casa de sachola às costas, toma lá e não voltes a mudar o rumo ao ribeiro que tenho a horta a secar.
Antes de te aproximares pensas qual deles sou. Ou se sou maus do que um. Tens pelo menos a certeza de que estou onde devo estar, longe e dos que nunca partiram um prato. Vocês que param nas passadeiras para deixar as crianças atravessar. Pagam impostos. A simples ideia de magoar alguém causa-te repulsa, se te insultam ou batem no carro chamas a autoridade, tens os seguros em dia.
Qual deles serei, desses que abençoas estarem para cá das grades, longe de ti e dos teus, algemados amordaçados de cabeça baixa, a pagar a pagar."

Rodrigo Guedes de Carvalho, Canário