domingo, 13 de março de 2011

A manif

Já não era sem tempo. Não uma manifestação, mas este tumulto, este protesto. A coisa que mais me choca na sociedade portuguesa é a sua incapacidade de se indignar. Então sim, já era sem tempo que os jovens, o sangue fresco de um país, deixasse de se comportar como um rebanho de carneiros mansos.
Estive vários dias a pensar que ia ficar caladinha para não ferir susceptibilidades, mas afinal desde quando é que eu comprometo as minhas ideias aos melindres alheios? E afinal, todos temos o direito à opinião.
Então sejamos duros. A conversa do "e a senhora da limpeza que trabalha mil horas por semana e ganha 300 euros?" ou "eu trabalhei 1 ano de graça e morei em casa dos meus pais até aos 35 por isso vocês aprendam, meus meninos" dá-me nojo. A ideia que a minha geração é mimada é repugnante. Ofensiva, desprezível. A minha geração é a primeira a viver pior que os seus pais.
Nós estudamos - como nos atrevemos com tanta gente que não teve essa oportunidade? - fazemos mestrados e doutoramentos - devemos ter a mania que somos doutores, só pode - fazemos estágios não remunerados consecutivos - é experiência, o que é que queremos mais? - sabemos falar três línguas - devemos achar que o português não é bom o suficiente... - e quando finalmente conseguimos um trabalho (se conseguirmos) a recibos verdes ou algo do género, vendem-nos a ideia que 500 ou 600 euros não é nada mau.
Eu sou da geração que não foi à guerra - comodistas! - mas também nunca teve horário de trabalho, férias pagas (ou férias de todo), paga despesas sempre do seu bolso, faz trabalhos por fora quando consegue para ter uns tostões para viajar no fim de semana com ponte - como se atrevem a querer viajar se há tanta gente que nunca saiu de Portugal??
Eu sou da geração que está disposta a receber menos (ou nada) se poder fazer um trabalho minimamente relevante, interessante ou criativo mas a quem sempre empurram para a mediocridade. A geração que tem ideias, que quer fazer, mudar, revolucionar e a quem dizem para estar mas é quietinho.
Eu sou da geração que sai do país porque em Portugal vendem-lhe a atitude do "já não é nada mau, come e cala". Onde nivelar por baixo é palavra de ordem. A crise sente-se em todo o lado, mas a vergonha de pagar misérias a pessoas qualificadas só não existe em Portugal. No Reino Unido a crise é grande - podem não o saber, mas é. No entanto, a classe política e os empregadores desdobram-se em desculpas porque sabem que um jovem de 25 anos qualificado merece mais que o salário mínimo. E parecendo que não, esse sinal de respeito conta para alguma coisa.
Eu sou da geração que tem três empregos para pagar a renda. Mas que só o pode fazer porque mora fora, pois em Portugal isso seria impossível - encontrar um trabalho "casual" é difícil e paga perto de nada tendo em conta o valor das habitações. Eu sou da geração que queria mesmo voltar para Portugal mas não consegue encontrar nenhum trabalho na área que pague 800 euros - sim, porque era só isto que eu pedia.

5 comentários:

Cylon disse...

La esta, nao concordo com o vocês aprendam meus meninos nem com a empregada da limpeza mas tenho de discordar- again- dessa ideia que a vossa geração é primeira em tudo o que é mau. Eu vivi e vivo pior que os meus pais; eu estudei, eu sei falar 3 linguas, eu fiz estágios nao remunerados consecutivos, e quando arranjei emprego foi precário e a recibos verdes.
Eu nunca fui a guerra, n tive horário de trabalho, tive anos sem férias pagas (ou férias de todo), paguei despesas sempre do seu bolso, fiz trabalhos por fora
Eu sou da geração que está disposta a receber menos (ou nada) se poder fazer um trabalho minimamente relevante, interessante ou criativo mas a quem sempre empurram para a mediocridade
Eu ja tive três empregos para pagar a renda.

E sabes o melhor? TUDO isto que disse aplica-se a historia de vida da minha mãe. Que tem 70 anos.
TU-DO.

È a única coisa ou aquela de que mais discordo nesta luta da ‘vossa’ geração’- tem razão e direito a tudo o que pedem; fazem-no numa altura de crise mundial, onde tudo esta e parece pior; mas nao entendo quem vos meteu na cabeça que são os únicos e primeiros e piores em tudo o que é mau; nao é que mude nada na vossa situaçao, nao é que seja por ai, mas isso nao...
E beijinhos!! ;)

Tracey disse...

Oh Inês...e eu ainda não sei nada de Glasgow =(

Anónimo disse...

http://treza.blogs.sapo.mz/13611.html Sou toda a favor destes protestos, mas este texto de Mia Couto dá que pensar, e concordo com quase tudo.

Helga

Rui disse...

Faltava uma cabeça à manif, a sensação da maioria foi que ficou a dever ao que se esperava – não ao nível da adesão, claro. O facto de ter sido antipartidária foi boa, foi óptima por uma perspectiva, má por outra – a de que ninguém subiu a um carro de megafone em punho e mandou uns berros e anunciou novas iniciativas. A malta da organização, possivelmente, não sei.. Ficou um certo vazio.

O mais que se teve foi ver o Vitorino e os homens da luta como trovadores da malta descompensada.

Em todo o caso pode ter sido o começo de alguma coisa.

Concordo e não concordo contigo e com a patricia. Para facilitar, friso o que discordo, porque vai na mesma linha: a tua ideia de que esta geração é muito pior tratada do que as outras (há a crise mundial, é um facto a que nenhum país escapa) e a ideia da pat (subentendida, no minimo, pq já falámos disto) que temos de aceitar a escalada de preços nas coisas de cada dia recebendo 400 ou 500 euros ou não tendo emprego com qualificações para dar e vender ou tendo estágios não remunerados apenas porque já era assim antes e ninguém se queixava, é aliás um favor.

Se assim era estava mal, já nasceu torto: se calhar o povo devia ter saído à rua há muito mais tempo, há 10/15 anos, noutra geração.

É que na manif estiveram todas as gerações, não foi só a dos adultos jovens.

glasgow? :)

Anónimo disse...

Errata: Descobri que o texto que referi não é de Mia Couto. Bem me parecia! Porém, não perde o seu valor.

Helga