quinta-feira, 27 de março de 2008

Para a minha família

Caros pais, primos, tios e avô,

Durante anos escrevinhei em folhas de papel. Guardava-as em gavetas, no meio dos cadernos, no fundo das malas. Pequenas cartinhas irritadas, sonhadoras, medrosas, agitadas. Iam fora, perdiam-se, amachucavam-se.
A tecnologia trouxe-nos "milagres" que permitem enviar uma mensagem a dizer "as papoilas da minha rua estão mais bonitas hoje". Podemos partilhar pormenores como nunca antes. Pensamentos de minuto. Isso é bom.
Os blogs surgiram como cadernos abertos para o mundo, para dizermos o que bem entendermos. No conforto do nosso quarto podemos fazer um tratado político revolucionário, sem sentir o peso da responsabilidade. Podemos declarar amor eterno à pessoa mais odiada do mundo sem sentir a censura dos demais. Podemos escrever "a minha mãe hoje estava mesmo chata" sem sentir remorsos. Sentimos que o nosso blog pertence a um círculo restrito de amigos com cliques mais ou menos silenciosos, comentários que só nós percebemos e trocamos confidentemente.
Depois aparece um comentário desconhecido e interiorizamos o que já sabíamos racionalmente: escrevo para quem quiser ler. Há até um certo orgulho ao pensar que alguém totalmente desconhecido se interesse pelos nossos desabafos e bitates virtuais. Pela nossa poesia cibernauta e irresponsável. Pelas nossas crónicas atrevidas e sinceras.
Mas de tempos a tempos surgem casos bizarros, que nos provocam nós mentais. Isso acontece quando a família começa a ler o blog secreto público.
A partir daí colocamos o e-mail, a password, "escrever mensagem", os dedos correm desenfreados e antes do "Publicar", incorre a dúvida: e se o meu pai lê isto?
O drama é ridículo, bem sei. Mas dou por mim que nem protagonista de um livro de Foucault ninguém me censura, mas eu penso em fazê-lo.
Debati-me com o conflito por algum tempo. Agora decidi expurgá-lo. Tudo o que é público trás consigo responsabilidade. Por isso vou vestir a camisola. Sejam bem-vindos, então, novos leitores. Tragam comentários e levem ideias. Afinal, é este o encanto da coisa.

2 comentários:

Fátima disse...

ohhh =') é a liberdade de expressão, é a democratização da leitura que trazes num estandarte. que bonito =)

Anónimo disse...

agora imagina se eu publicasse as minhas estórias na íntegra, no blog que os meus pais lêm diariamente...
(por mtoivos de segurança, deixo este comment anónimo coma certeza q descobriste quem era logo na palavra estórias)!