terça-feira, 22 de novembro de 2011

Passos em volta: Quase sem gaiolas

Macau é zum-zum-zum, lufa-lufa, corre-corre. Toda a gente corre-corre. Aqui não é o povo quem mais ordena, é o relógio. E nós, as formiguinhas, suspiramos de impaciência, acotovelamo-nos, pisamos os calcanhares ao desesperado da frente, porque queremos chegar mais depressa ao destino, não queremos ficar naquele passo lento dos passeios estreitos.

Mas para toda a azáfama há um limite. No Jardim de Camões acalmam-se as nervoseiras, as angústias pós-modernas, as dúvidas urbanas. Se foi a poesia do nome que inspirou a poesia do espaço, não sei. Mas a verdade é que ali, naquele jardim de altos e baixos, de miradouros quase celestiais, vê-se a vida por outro prisma.

Não é por acaso que a população que por ali passeia consiste em crianças e idosos – os que vivem na abençoada ignorância do futuro, e os que descansam dos anos que passaram. Eu, estrangeira de câmara na mão, começo por uns cliques tímidos. Sinto-me invasora dos rituais alheios. Puxo do zoom para não puxar da proximidade.

Um homem observa os ramos ancestrais de uma árvore rugosa. Estuda-os. Eu estudo-o a ele. Faço-me invisível. Ali fico a vê-lo colocar carinhosamente a gaiola, que segurava entre os dedos, num dos galhos mais altos. Sorri. Senta-se então no banco e ali fica, trocando dois dedos de conversa com o amigo do lado, enquanto os dois tomam conta das aves de estimação. No Jardim de Camões é assim, os velhos levam os netos e os pássaros a passear.

Uma, duas, três, quatro. À primeira não se vêem mas são muitas as gaiolas penduradas. Explicaram-me que o ritual serve para que as aves de estimação possam estar mais próximas do seu habitat natural e para que tenham a oportunidade de conviver com os chilreios umas das outras. Camões sorri com tal perfeição poética.

Não é uniforme a população deste refúgio. Há os desportistas, os jogadores, os músicos. No topo das colinas grupos de homens conversam, descalços, em cima dos muros. Em zona distinta, outros jogam – e ao vislumbre da câmara escondem as peças, tapam as cartadas. As mulheres riem alto, em grupo, à sombra. As crianças, essas, estão por todo o lado e ninguém as chama, ninguém se alarma.

E de repente uma melodia. Três curvas à direita, há banda sonora. Uns cantam, outros tocam. Alguns ensinam, muitos observam. Batem-se palmas, mas não se tiram fotos. Só a turista, lá está.

Um passeio no Jardim de Camões faz milagres. Lembra-nos que a vida é mais que obsessões quotidianas – aquelas que no dia seguinte deixam de ter importância. Da gaiola já não nos safamos, mas ao menos que nos deixemos estar, por momentos, num habitat natural.

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