quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Bons alunos improváveis

Hoje fiquei orgulhosa. Não é que a minha escola secundária vinha no jornal?
Mas não foi só por isso que fiquei orgulhosa. Tenho orgulho na humanidade quando alguém ousa fazer alguma coisa pelos outros, tem uma ideia audaciosa, sem esperar retribuição.
Pois aqui está: António Lança de Carvalho decidiu criar um prémio para os melhores alunos carenciados da sua freguesia. Tirou dinheiro do seu bolso e deu ao prémio o nome do pai, que se tornou advogado apesar de ser órfão de pai e mãe, criado por uma tia pobre e ter começado a trabalhar como serralheiro. Inspirado da história do pai, António quis ajudar alunos pobres com boas notas a prosseguirem os estudos.
"Pode parecer façanha pequena, mas ele reconhece que nalguns contextos têm que ser "campeões" para chegar ao fim do ensino obrigatório, especialmente com boas notas. Não é possível compará-los com meninos que saem das aulas e vão para explicações de tudo e mais alguma coisa e daí para o judo e para a natação. É um outro universo." [Catarina Gomes, Público]
Joana e Joceane receberam o Prémio de excelência e são da minha ex-secundaria, Fernando Lopes Graça. Houve mais alunos a receber prémios, apesar de elas terem sido as "vencedoras". O valor não é nada do outro mundo, 500 euros, mas deixou as alunas e famílias muito surpreendidas e felizes.
Para mim, que sempre estudei em escolas públicas, este tipo de iniciativa faz todo o sentido. É uma ilusão achar que os alunos têm todos as mesmas condições para aprender. Quem estudou em escolas públicas lembra-se, com certeza, de muitos colegas que faziam o dobro do esforço para serem bem sucedidos na escola. Não é uma questão de inteligência, mas de contexto. Muitas pessoas insistem em ignorar que não basta ir às aulas e estudar a lição. Há muitos alunos que não só não têm os meios materiais dos outros (o exemplo das explicações é gritante) como sentem que estão a sobrecarregar os pais, que têm que começar a trabalham mal possam. Vivem em famílias que valorizam pouco a educação ou então valorizam-na de uma forma distante. Um pouco como a União Europeia: é boa, mas não sabemos bem para quê. Dizem aos filhos que têm que ir à escola e ter boas notas, mas não existe em casa um interesse participativo em relação a isso. Ninguém oferece livros, ninguém lê jornais, ninguém fala do que é ser advogado ou médico. Ninguém vai ao teatro, ninguém pensa em cinema. A escola é uma quadro bonito para ter na parede. Mas sem sentido.
Por isso eu acho que há alunos que merecem prémios. Porque tomam conta de 4 irmãos, vestem roupa usada e comem sempre na cantina. Na cabeça de muitas pessoas isso não influencia as notas que se tiram, mas eu tenho a certeza que sim. São estes alunos que vão conseguir quebrar a espiral de pobreza que dura gerações, muitas vezes. Neste momento, vários ex-colegas nessa situação surgem na minha cabeça. Poucos terão chegado à faculdade. A maioria foi sugada para empregos precários mas rápidos de obter. Mas há vencedores. Tenho uma amiga que atravessou a faculdade sem computador ou internet e sente constantemente a pressão do dinheiro que custa aos pais. Há nela sempre a tentação de desistir, começar a trabalhar, ganhar dinheiro e independência. Os pais temem que a faculdade não lhe sirva de nada.
Achei a ideia deste senhor muito interessante e seria bom que fosse possível estendê-la a nível nacional. Uma espécie de ranking dos alunos improváveis.

1 comentário:

Anónimo disse...

um oba ao senhor, muito bem! lol e à tua escola :)
p.s.- será que a UE não é uma barreira à democracia, uma vez que as pessoas que a gerem (que não somos nós que escolhemos) nos impõe mais regras (que também não somos nós que escolhemos), regras iguais para contextos tão diferentes quanto as várias culturas e países? será que é boa? não haverá uma coisa semelhante que não resultou chamada União Soviética? Sim, eu sei que o post não incide exactamente nisto... :D