Uma reportagem digna do Inimigo Público (se não fosse verdadeira):
“Vou estar com uma camisola verde, um casaco verde e uma pasta preta na mão. Ninguém tem pastas pretas, por isso vai ser fácil. Sou careca e tenho olhos azuis”.
Os contornos deste caso fazem lembrar um filme de detectives. Gabriel Pina é o informador, o Ponto do i um agente infiltrado.
“Acredito que possa estar até a correr risco de vida”. A conversa decorre na sala de visitas do estabelecimento prisional de Pinheiro da Cruz, onde Gabriel Pina está preso desde 2004 por posse de haxixe. O barulho quase ensurdecedor das famílias em conversas animadas, obriga Gabriel a falar-nos quase ao ouvido, o que torna tudo ainda mais fílmico.
O motivo de todo este mistério? Uma invenção da autoria de Gabriel Pina e que o próprio considera “revolucionária” e de “imenso interesse público”. O invento que criou ainda antes de ser preso (já tinha sido condenado, mas encontrava-se em situação de foragido – mais um elemento deste filme de acção) vem ao encontro das actuais preocupações ambientais: uma máquina que produz electricidade limpa, gratuita e não poluente, à semelhança de um aerogerador, mas que não está dependente do vento. Aliás, “não está dependente de nada”. Ou melhor, está, mas a fonte de energia não é nenhuma das tradicionais, nem o ar, nem o sol, nem as ondas.
Gabriel Pina mantém a fonte de energia desta invenção em segredo, porque “bastava revelá-la para que qualquer pessoa pudesse fazê-lo” e poderia perder os direitos sobre a sua máquina (chamemos-lhe assim, já que ainda não tem nome).
Tudo começou numa tarde de sofá. Desde sempre que Gabriel se interessou por engenhos, desmontava as bicicletas e as motas para lhes perceber o funcionamento. “Sempre me interessei por tecnologias”, conta. E foi no sofá que começou a magicar uma forma de construir um carro especialmente para idosos. Teria que ser muito económico já que a classe etária não é das mais endinheiradas.
Conseguiu chegar a uma alternativa energética “a custo zero”. A chave, explica, é o Movimento Perpétuo. O moto contínuo sempre foi uma quimera perseguida pelos físicos – uma máquina que reutilizaria infinitamente a energia gerada pelo seu próprio movimento – mas Gabriel Pina acredita que desvendou o mistério.
O processo, explica, é simples, não reside tanto no engenho, mas na ideia. “Eu próprio fico admirado como ninguém inventou isto”.
Desde que foi preso, Gabriel tem pedido indultos ao Presidente da República todos os anos, mas todos lhe foram negados. Escreveu a tribunais, jornalistas e políticos. Guarda, ainda um bilhete escrito à mão por Francisco Louçã, que se demonstra sensibilizado com a situação e promete: “logo que possível visitarei Pinheiro da Cruz”. Isto passou-se em 2005, mas até agora o bloquista ainda não apareceu.
“Não percebo como é que o Jorge Sampaio deu indulto a um homem que matou sete pessoas e não me dá a mim”. A questão, explica, é de interesse público e “compete ao estado ouvir todas as pessoas, todas as hipóteses”.
Gabriel ainda não entrou com um pedido de patente, porque desconfia da honestidade do sistema. Para registar uma patente em Portugal, é preciso enviar uma descrição do invento para o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), acompanhada por um desenho técnico, elaborado por um desenhador. Ora Gabriel acredita que o seu invento terá tal impacto, que o desenhador, ao ter acesso ao mecanismo, poderá tentar roubá-lo.
Para além disso, Gabriel não confia nas próprias regras do INPI e receia perder direitos sobre o seu invento. “Ninguém vai fazer uma falcatrua com um laboratório, mas eu sou apenas um cidadão anónimo”. Por isso, espera poder levar a sua máquina a uma feira de inventos, o que fará com que a sua criação tenha prioridade de entrada no INPI e, acredita Gabriel, esteja mais segura contra roubos.
“Mas alguma vez ouviu falar de um roubo de patente?”, perguntamos-lhe. “Toda a gente me pergunta isso”, responde. E devolve-nos a pergunta: “E já alguma vez ouviu falar do registo de algum invento mesmo importante em Portugal?”.
Por agora, Gabriel só pode esperar, mas promete que quando sair da prisão irá processar por negligência todas as pessoas do estabelecimento prisional que não lhe têm dado credibilidade: “Pensam que uma pessoa que está presa tem que ser um anormal”.
3 comentários:
adorei =) já na altura achei a história fantástica!!
Pah, algum jornal deveria um dia fazer uma ediçao de "as historias que nunca chegaram a ser publicadas" a tua era digna de capa! ahahaha
Inês, quando estava a estagiar no JN esse senhor ficou conhecido como o "meu" presidiário. Tu não tens noção (ou se calhar tens): ligava-me todos os dias, a perguntar especificamente por mim (depois de o meu editor lhe ter dado o meu nome...) para me pressionar a fazer um artigo sobre a história dele, sobre a máquina que vai salvar o mundo mas que ele não pode dizer como funciona.
Essa história marcou o meu estágio e se tiver oportunidade, algum dia, de levar para a frente um projecto que tenho na gaveta, será muito parecido com a sugestão da mchiavegatto.
Ele há cada um...
Bj
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