sábado, 16 de outubro de 2010

Diz tudo

Ensaia. Sem medo, é só a almofada. Coloca-te de forma confortável debaixo dos lençóis e olha para a almofada, que é verde e e assim - com desenhos de folhas. E depois diz-lhe. Diz-lhe tudo. Todas as hipóteses. Tens que dizer tudo ou não se torna real. Diz-lhe que fazes as malas hoje. Feito. Sem hesitação. Diz-lhe que não aceitas não como resposta, que vais mudar de vida, que vai ser melhor. Que vai ser perfeito. Sente o corpo tremer com esta ousada afirmação. Sorri de entusiasmo. Depois, respira. pausa. Continua a olhar para a almofada tão fofa e apetecível. Não digas nada, mas pensa em tudo o que poderá correr mal. Pensa em lugar A, B e C. Pensa que queres lá ir. Pensa como isso vai correr. Pensa em D, E, F, coisas que queres fazer. Pensa na reacção. Franze o sobrolho, tem dúvidas. E depois novamente, pensa que isso são moedas de um cêntimo, não contam. Que com elas não compras nada. Volta a falar. Leva tudo ao extremo, fala de vestidos brancos e bebés. Fala de uma casa no campo. Enlouquece.
Admite a ti própria que tens que tomar uma decisão radical. Morde a língua até fazer sangue - tu sabes que não queres fazer isso mas tem de ser. Sim ou Não. Tem total consciência que o que tu queres são batatas, mas ainda assim tens que saber o que isso é.
Pára de olhar para a almofada. Olha para o tecto. Pensa noutra coisa qualquer. Pára de murmurar essa canção. Pára de pensar na galinha de peluche na cadeira. Pára! Deixa o carro estacionado no cantinho escuro - ele que fique vazio. Não consegues. Continuas a desfiar pensamentos aleatórios. Sentes o coração bater desenfreadamente. Não ousas sequer olhar para a almofada. Esqueces-te que é um almofada e temes que vá falar. Vá dizer que tudo isto é inútil, que o meu desespero é desnecessário porque as decisões estão tomadas, eu só tenho que as mastigar até desaparecerem. Sente uma bola de ráfia na boca. Respira fundo ou não vais conseguir prosseguir.
Disseste tudo. Sentes-te melhor. Respiras melhor. Vais lá fora, apanhas ar. Está sol, mas frio. Perfeito. Sentes o gelo penetrar plo pijama, plo robe, pla manta. Agradeces.
Regressas. Imploras por sabedoria. Desejas ter 70 anos de idade e respostas. Desprezas os teus 24 anos por não te terem ensinado nada.
Planeias fazer o mesmo exercício amanhã. Quem sabe, amanhã será melhor.

1 comentário:

Fátima disse...

estavas inspirada! =)