domingo, 7 de outubro de 2007

Jornalismos

Às vezes ponho-me a pensar e enrolo as ideias umas nas outras até ao infinito. Todos temos um tema preferido, um assunto sobre o qual gostamos de ler e que nos faz pensar. As ideias saltam e encaixam umas nas outras como uma corrente de pensamentos que que querem mudar o mundo. Eu quero mudar o mundo. Quem não quer? A diferença é que cada um quer fazê-lo com as suas ferramentas. Através da política, da justiça, da economia, da educação, da ciência, do apoio ao ambiente, da criatividade, da arte. Eu quero mudar o mundo a contar histórias. E por isso penso na forma como se contam as histórias, em quem as conta e em quem as ouve. Cada vez penso mais. Às vezes pensar nisso transforma-se num mar de angústias, num grito abafado que diz "Oiçam-me! Temos que mudar isto tudo!".
Agora que vejo de fora, aprendi muita coisa durante o tempo que estive na Renascença. E reforcei e fundamentei algumas opiniões. O evoluir do jornalismo é inevitável; as novas tecnologias chegaram para ficar, e já é fácil encontrar notícias sem esforço com apenas alguns cliques a custo zero. É preciso REPORTAGENS. O mais nobre dos géneros jornalisticos. O mais apaixonante. O trabalho que não é de consumo rápido e implica investimento.
O último número da revista do Clube dos Jornalistas trata dos três Prémios Gazeta 2006. Um deles ganho pelo meu professor Jacinto Godinho, que escreve na revista um texto de uma sabedoria surpreendente (quem o ouve nas aulas acha-lo-á mais sem sal do que é na realidade). Outro dos prémios é entregue a um jovem jornalista chamado João Pacheco, que apesar de ter feito duas reportagens de investigação que lhe valeram o prémio de imprensa regional, encontra-se numa situação que caracteriza como "precária" (ou seja, recibos verdes). Deixo aqui dois excertos, um do texto escrito pelo Jacinto Godinho, a propósito do prémio, e outro da entrevista que a revista fez ao João Pacheco:
"(...) Os canais especializados em informação emitindo notícias um dia inteiro acabam por ser mais repetitivos e redundantes, amontoados de informação, que verdadeiramente diferenciadores ou inovadores na qualidade do jornalismo produzido. Isto para além de transformarem os válidos valores de rapidez, de informação em cima da hora, em precipitação, em angústia e ansiedades doentias, sacrificando aos poucos a ponderação, o rigor, discernimento do que é notícia válida.
Os ecrãs nacionais estão a transformar-se num vertiginoso e casuístico arremesso de notícias, em catadupa, na direcção do espectador. As informações válidas perdem-se no meio de exercícios mistos de reportagem, especulação e comentário. O Caso Maddie, em que desde maio as notícias factuais se podiam contar pelos dedos das mãos, transformou os jornalistas nos directos televisivos em repórteres transgénicos cruzando na mesma frase, dados de reportagem, com laivos de comentário especulativo e investidas na pele de especialistas forenses.
Não quero com isto desprezar a informação diária, pelo contrário, ela é o fundamento de todo o jornalismo. A forma como se faz é vital para a profissão. As suas virtudes dão saúde, os seus vícios tornam-se cancros. Um bom jornalista não é aquele que exige tempo para realizar as peças mas aquele que pensa depressa e bem. Depressa e bem só se alcançam com experiência e vivenciando profundamente, em toda a amplitude dos géneros, o fazer jornalístico. A informação diária não impõe só uma ditadura de meios mas também uma ditadura de valores e mentalidades. (...)"
Jacinto Godinho
"JJ - Uma das críticas que diriges à qualidade do jornalismo que se pratica hoje é a banalização da "reportagem rápida" e a permeabilidade aos interesses de corporações...
JP - Não sei se há uma perda de qualidade. O que sei é que agora, como jornalistas, temos desafios novos, que não estão a ter as melhores respostas. Não é pelo "sexy" que nós, jornalistas da imprensa paga, vamos conseguir competir com a televisão ou com os jornais gratuitos ou a Internet. Nem a informação amadora da Internet nem ou jornais gratuitos, pelo menos até agora, nem sequer a televisão, com o seu tempo de consumo muito rápido, conseguem substituir a reportagem. Uma das respostas para os novos desafios seria fazer mais reportagens, e mais reportagens com qualidade e com temas fora da agenda."
João Pacheco

9 comentários:

Francisco Maia disse...

que post giro! ouve proponho-te um tema para "postares":
Jornalismo televisivo versus jornalismo periódico (é assim que se diz?) qual o melhor?
cool blog enes. real cool.

Francisco Maia disse...

por falar nisso...ja postei só pk tu pediste :P

Marina disse...

Eu sou daquelas que acredita (com convicção) que os jornais não vão acabar. Porque os jornais não sao mais uma agencia noticiosa impressa. São reportagens. É tratar a fundo os temas, é ir procurar, ouvir especialistas, abordar os temas de outras prespectivas. E se o homem disse que nao havia gays no Irao entao vamos lá ao irao descobrir se há ou não.
E o jornalismo é um contra poder. O Nelson traquina que se lixe.
Mas ha uma coisa que o Joao disse (sim, porque eu conheci-o no Publico LOL simpatico o rapaz!!) que é a minha grande batalha (ainda por cima aki neste jornal conservador para onde trabalho agora), os temas "frios" (o nome já mostra o preconceito) são importantes. Porque não é preciso ser dia do não sei que para se falar sobre esse assunto.
Quer-se boas reportagense quer-se grandes reportagens. E quer-se patroes a INVESTIR nesse tipo de abordagem.
Porque isso sim, faz da imprensa um bichinho tão fascinante.

i disse...

Conheceste o João? A sério??? Eu gostei tantooo da entrevista dele!
Que fixe!!

Fátima disse...

tou com a marina. aliás, não podia ter dito melhor! ainda somos do tempo em que os pivots liam as notícias a partir do papel, e hoje parecem-me robots. é um exemplo estranho mas é algo clássico para mim.
não podemos deixar de acreditar. mesmo que seja uma teimosia romântica..

Enolough disse...

Eu bem digo... mas só quando o Jacinto diz é que tem piada. Bah!

"As suas virtudes dão saúde, os seus vícios tornam-se cancros."

"A informação diária não impõe só uma ditadura de meios mas também uma ditadura de valores e mentalidades. (...)"

Vivam as reportagens!!
Viva o jornalismo pago porque é bom.

Fátima disse...

novo!! http://beloguesback.blogspot.com/

Ale disse...

E já o estou a ouvir, a seguir para falar do prado Coelho e de como trasnpomos a linguagem jornalística para a leitura da nossa vida.. e logo depois a elaborar teorias sobre o porquê do insucesso escolar na matemática. Teorias à parte, ainda se aprende qualquer coisita na Nova!
E tu, pela vonatde e entusiasmo com que falas, de certeza que vais ser uma jornalista mudadora do mundo quando fores grande! ;)

Anónimo disse...

Epa, o que eu acho mais fabuloso em imprensa periodica 'e aquele dizer sem dizer... Ha coisas que nao podem sair na TV ou na radio. Num texto cuidado e mais bonito, como 'e o da imprensa, ha sempre a possibilidade de, sem dizer aquilo que por algum motivo nao se pode dizer (por exemplo, pelos interesses que estao por tras dos media), podemos dar a entender alguma coisa. Isto pode parecer mau, mas nao. Isto sim 'e o verdadeiro contra-poder, isto sim 'e inverter a posicao de controlado pela de controlador. =) Nao sei se vou ser mal interpretada, nao me expliquei muito bem, ainda pa mais este pc nao tem acentos =S