É em reis e rainhas, nobres e princesas, que pensamos quando descemos a Calçada do Teatro. É imaginá-los a entrar para banquetes, festas e espectáculos, vestidos a preceito, de nariz no ar como nos romances históricos. A pompa não é coisa que me atraia, mas o conceito é tão raro por Macau que os olhos demoram-se nos edifícios de aura nobre.
De frente para o Teatro D. Pedro V, olhando a fachada austera, penso em todos esses romances de cordel, nas cortes, nas senhoras de braço dado a maridos mal-encarados, nas meninas que trocavam olhares clandestinos com rapazes altos e morenos.
Claro que por cá nada disto se passou, mas a imaginação é um recurso já bem conhecido pelas suas asas e que pouco quer saber de coordenadas de voo. O edifício é de 1860 e ganhou o nome do soberano da altura, o rei D. Pedro V, que se dedicou mais a África que ao Oriente. No entanto, tivesse sua alteza passado por cá, teria gostado. Tinha apenas 16 anos quando, em 1853, subiu ao trono e 24 quando o abandonou, vítima de febre tifóide.
O Teatro D. Pedro V foi o primeiro de estilo ocidental a ser construído na China. Coisa importante, herança pesada. O monarca deu o nome pelas artes nesta ponta do mundo, mesmo sem lhe conhecer os palcos.
Mas deixemo-nos de divagações que já lá vão mais de 150 anos. A grandiosidade daquelas colunas, naquele verde-água, com a rua em C ladeando o edifício, está lá. Sim. Mas isto é Macau, é uma Alfama em ponto grande, é cidade que não se deixa domar e se quer de improvisos. Que descuida de Shakespeare e da ópera.
Por isso aconselho a quem se perca perante a beleza clássica do D. Pedro V a descer da Calçada como quem descalça um par de sapatos de salto alto. Não basta olhar da varanda, ver as motas a passar na Rua Central. É preciso lá ir, tocar nas paredes amarelo-açafrão com janelas de madeira vermelho-china. E não vale descer a Calçada de Santo Agostinho, por maior que seja a tentação.
Segue-se pela Rua Central porque é assim mesmo que tem de ser. Porque entre a gráfica e a loja que vende “peixe dourado e tropical” (para morar em aquários, atenção), por entre talismãs e campainhas que felizmente já receberam muito uso, mora o irmão ilegítimo da calçada de tão faustoso teatro. É logo ali a seguir ao Beco Escuro (bastante claro, por sinal). Longe das luzes da nobreza, mas apenas a meia dúzia de passos de distância.
No Beco do Teatro o cenário é em miniatura, mas rico em pormenores. Espreitando a ruela apertadinha reconhecemos o parentesco: há escadaria e muito azul a pintar as paredes. No pequeno corredor cabem apenas dois prédios, aconchegados nas varandas gradeadas um do outro. Mas indicações não faltam. São três paredes que o formam? Pois então que sejam três as placas que o identificam. Porque o Beco do Teatro pode ser o parente pobre, mas nem por isso é menos orgulhoso.
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