“You don’t have to write anything down to be a poet. Some work in gas stations. Some shine shoes. I don’t really call myself one because I don’t like the word. Me? I’m a trapeze artist.” Trapezista de palavras e de personagens, Bob Dylan transforma-se em muitos em “I’m Not There”.
O filme não é uma típica biografia mas uma manta de retalhos das várias fases e egos do cantautor. São seis os actores que o interpretam, mas poucos representam mesmo Dylan. As personagens têm nomes distintos e não são exactamente o autor – são distorções, alusões, mensagens. Curiosamente, a melhor interpretação de Dylan é feita por uma mulher.
Marcus Carl Franklin encarna Woody, um rapazinho afro-americano de 11 anos que simboliza a dívida de Dylan para com Woody Guthrie. Christian Bale é Jack Rollins, o guitarrista folk dos primeiros tempos. Ben Whishaw veste a pele do poeta Arthur Rimbaud, representando a mudança da fase política para a pessoal. Heath Ledger é Robbie, um actor que encarna o pior de Dylan: é egoísta, reaccionário, machista. Richard Gere interpreta Billy, um velho vagabundo que vive isolado. Cate Blanchett é Jude, o Dylan que fez a tour “Judas” por Inglaterra, onde trocou as músicas folk de protesto pelas guitarras eléctricas. Apenas Bale e Blanchett fazem interpretações directas de Dylan.
Se a explicação parece confusa é porque o filme em si é, de facto, confuso. É preciso saber muito da vida de Dylan para compreender todas as referências e é fácil perder o fio à meada com tantas caras diferentes, tantas histórias entrecortadas. Ainda assim é um prazer ouvir a discografia passar pelo ecrã. O filme abre com “Shakespere in the Alley”, passa por clássicos como “Tombstone Blues”, “Maggie’s Farm” ou “Mr. Jones”. “Like a Rolling Stone” só surge quando caem os créditos, o que não deixa de ser interessante.
É o Dylan de Cate Blanchett que mais cativa. Os maneirismos, os caracóis desalinhados, os óculos de sol, a roupa, está tudo lá. Aquele é um Dylan atacado pela imprensa, perseguido por fãs desiludidos que consideram que o ícone da música de protesto, a voz de uma geração, o trovador solitário, deixou de se preocupar. A necessidade de renovação do artista é mal vista por um público que continua a pedir-lhe que toque as antigas, que volte ao que era. Só que ele já não está lá.
O título do filme terá surgido de uma história que o jornalista inglês Michael Parkinson costuma contar. Um dia jantava num restaurante em Sidney quando vê, sozinho numa mesa, concentrado na refeição, nem mais nem menos que o homem que há muito tentava levar ao seu programa televisivo: Bob Dylan. Parkinson sabia do desagrado que o músico tinha por meios de comunicação mas decidiu tentar a sorte. “Aaaa, Mr. Dylan, eu…”. Antes de poder continuar, o quase-interlocutor atira com um “He ain’t here”. A resposta parece encerrar muito daquilo que Dylan é: enigmático e incapaz de deixar que o prendam ou definam.
Agora com 70 anos, o homem que inspirou os maiores movimentos sociais dos Estados Unidos e prolongou a sua voz muito além da década de 1960 ainda dá concertos, mas não é a mesma coisa. A voz falha e a presença também, mas há coisas que, para já, nunca mudam. “Never tired, never sad, never guilty”. É Dylan.
I’m Not There | Todd Haynes, 2007
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