As viagens de comboio já apelam ao romantismo, mas em “Before Sunrise” ganham toda uma nova dimensão.
O início é simples. Ele (Ethan Hawke) vê a capa do livro dela. Ela (Julie Delpy) pergunta pela dele – lia Hemingway, já agora – e a conversa flui. Flui tanto que em poucos minutos, já na carruagem-restaurante do comboio de longa distância, não querem que o diálogo acabe. Nem eles, nem nós.
Jesse, turista americano, dirigia-se a Viena para apanhar o avião de volta aos Estados Unidos. Celine viajava em direcção a Paris, depois de uma visita à avó, em Budapeste. Quando o comboio chega à capital austríaca, ele lança-lhe a proposta: vem comigo. Ela hesita, mas é tudo bluff.
O voo é só na manhã seguinte e os dois têm 14 horas para passear pela cidade. Ao nascer do sol, vai cada um para seu lado – ou pelo menos é esse o plano.
Quando estreou, em 1995, “Before Sunrise” foi um discreto sucesso do cinema indie. Nada ali enche o olho hollywoodesco. A câmara de Richard Linklater é meiga e pouco intrusiva. É o que é dito entre os dois, e não o que acontece, que realmente importa.
A tirania do relógio não os/nos larga. O espectador quase consegue ouvir a areia a deslizar pela ampulheta, grão a grão, a uma velocidade estonteante. Viena é linda, está linda, e eles passam por ela com uma suavidade quase poética. Apaixonam-se. Um tipo de amor que talvez só exista na bolha do “só temos esta noite”. Perfeito. “When the morning comes, we turn into pumpkins.” Não é tanto, mas quase.
Na hora do adeus, de volta à estação de comboios, os dois despedem-se. Decidem não trocar contactos. Acreditam na magia. Numa era pré redes sociais, a decisão é drástica.
Num momento de fraqueza, entre abraços apressados, combinam encontrar-se naquele exacto lugar, dali a seis meses. Descem os créditos. O espectador já mordeu pelo menos três dedos e uma caneta.
E depois, oh, esperança. Há uma sequela. “Before Sunset” é filmado nove anos mais tarde. E é também esse o período de tempo que passa até Jesse e Celine se voltarem a ver.
Aqui deixo a ressalva: nesta espécie de segundo capítulo, o romantismo encara a dura face da realidade, e aquele estado de levitação em que nos encontramos no final do primeiro filme não se repete.
Não houve encontro em Viena, seis meses passados da aventura. Porque a vida real é assim, as coisas acontecem, responsabilidades, azares, desilusões, até falta de dinheiro. Um deles aparece, mas é melhor não revelar quem.
Nove anos depois é Paris a cidade que acolhe o reencontro, quase acidental. Jesse, agora um escritor de sucesso, usa umas camisas feiotas, e Celine, activista numa organização ambiental, tornou-se cínica e um tanto paranóica – ou talvez apenas desacreditada.
“Before Sunset” acontece em tempo real. Os dois passeiam pela cidade, antes de ele ter de apanhar o avião – há coisas que nunca mudam. A água, essa que se diz que passa debaixo das pontes, passou por ali e em quantidade. Queremos uma reconciliação, mas assim, à filme, não pode ser.
O tempo escapa-se, eles olham o relógio, e a pergunta torna-se impossível de conter: e se..? Como seria a vida dos dois, se tivessem regressado àquela estação?
O fim aberto confere algum consolo às almas mais românticas. Mas acima de tudo há um tom melancólico e triste no final da sequela. Um luto pela inocência que se perdeu, que todos vamos perdendo.
O jornal The Guardian considerou “Before Sunrise/ Before Sunset” o terceiro melhor filme de amor de todos os tempos. Justiça lhe seja feita. | Inês Santinhos Gonçalves
“Before Sunrise”
Richard Linklater, 1995
e
“Before Sunset”
Richard Linklater, 2004
1 comentário:
Passados outros 9 anos há rumores de novo filme...
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