sábado, 3 de dezembro de 2011

Rascunho - Festa e melancolia

Há músicas que são como cidades. Sinatra está para sempre associado a Nova Iorque e ninguém vai a Liverpool sem trazer os “Beatles” na ponta da língua. Mas se estas associações são, de alguma forma, artificialmente criadas por motivos comerciais, o mesmo não se passa com Frightened Rabbit e a sua cidade-natal, Glasgow.

Se o fado lembra as ruelas de Lisboa, Frightened Rabbit encarna na perfeição o espírito da cidade escocesa. Suja, fria, escura, ruidosa, carismática, misteriosa, frustrada, original, bêbeda, rouca, tanto a cidade como a música.

Sim, é verdade que Frightened Rabbit não difere muito das várias bandas que a cidade abraçou – ou antes, a quem deu uma palmada nas costas, pois Glasgow não abraça ninguém. Daqui vieram bandas como The Delgados, Belle and Sebastian (conhecida pela banda sonora do filme “Juno”), The Jesus and Mary Chain ou Arab Strap. Não fosse esta uma cidade que se alimenta, que transpira, que respira música. Não há barzinho de esquina, escuro e apinhado, que não tenha ofereça música ao vivo, melodias e letras quase sempre originais que ou se afundam em copos de cerveja, ou dali submergem para voos maiores.

Mas voltemos aos Frightened Rabbit. O sotaque não é cerrado, mas é forte o suficiente para sabermos que está lá e para lhe reconhecermos a identidade. Curiosamente, o vocalista chama-se Scott Hutchison. Ele é também o autor da maioria das letras e o guitarrista da banda, que conta com três álbuns editados e uma dúzia de singles.

O álbum do meio, como os filhos, como o dedo, como as escolhas, é o mais acertado. “The Midnight Organ Fight” foi lançado em 2008 depois do consensual “Sing the Greys” (2006) e Hutchison avisou logo que este seria “mais intenso”. Diz o boato virtual que ele terá demorado um mês após o lançamento até conseguir ouvir o seu trabalho por inteiro.

O nome do álbum vem de uma frase da música “Fast Blood” e diz-se ser um eufemismo para sexo. “Good night/ it’s stroke-time/ let’s get paralysed/ down both sides/ snake hips, red city kiss/ and your black eyes/ roll back/ midnight organ fight/ yours gives into mine/ it’s all right/ and the fast blood/ hurricanes through me/ and then it rips my roof away.”

“The Midnight Organ Fight” é um disco amargo. Uma melancolia cantada com som de garagem, que conta histórias de corações partidos, esperança perdida e miséria humana – miséria ou realidade, depende da sensibilidade de optimistas e pessimistas.

A comprovar a tese está “The Modern Leper”, tema que abre o álbum e que recolheu mais aplausos da crítica. “A cripple walks amongst you/ All you tired human beings/ He’s got all the things a cripple has/ Not working arms and legs/ And vital parts fall from his system/ And dissolve in Scottish rain/ Vitally he doesn’t miss them/ He’s too fucked up to care”.

Também eles, os Frightened Rabbit estão “too fucked up to care”, ou pelo menos é essa a postura. As letras destilam uma atitude ‘ninguém me ama, ninguém gosta de mim e eu mereço’.

Se tanta falta de amor próprio começar a soar a falso, aconselha-se “Good arms vs Bad arms”, a mais honesta das suas baladas melancólicas. Os braços, canta Hutchison, são feitos para abraçar e segurar, “look how far they go around”, mas os membros outrora tão úteis deixaram de ser necessários “now that you found another pair”. “You”, que é ela, quem ele imagina, obsessivamente, envolta em novos braços. “Good arms vs Bad arms” testemunha a luta interior entre o orgulho e o ressentimento. “I’ll stick to my guns, but from now on it’s war/ I am armed with the past, and the will, and a brick/ I might not want you back, but I want to kill him.”

Mas Frightened Rabbit não é só isto. Como Glasgow, também tem festa, ritmo, também soa a camaradagem, também honra as suas raízes celtas. Para um início de dia, uma música que garante – ou garanto eu – deixar os pés a abanar debaixo da mesa e os dedos a batucar em tudo o que é superfície. “Old Old Fashioned” tem tudo para se tornar banda sonora de momentos perfeitos: “We will waltz across the carpet/ One, two, three, two, two, three/ So give me the soft, soft static/ With the open fire and the shuffle of our feet/We can both get old fashioned/Do it like they did in ’43. /If I get old, old fashioned / Would you get old, old fashioned with me?”

Frightened Rabbit

The Midnight Organ Fight, 2008

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