quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Rascunho: You is kind. You is smart. You is important.

Adoro caril. Por isso, quando me sentei no sofá, com um prato de lentilhas temperadas na mão para ver “The Help”, pareceu-me o serão perfeito. Um bom filme (assim o esperava) e um bom jantar caseiro. As lentilhas, no entanto, custaram a descer. Não porque o filme seja sangrento. Não. Muito pior, porque “The Help” nos tranca a garganta, nos faz cerrar os punhos, ranger os dentes de tanta indignação, de tanta vontade de entrar ali e mandar um par de estalos a uma dúzia de donzelas empertigadas.

Passado em Jackson, Mississippi, durante os anos 1960, em plena época de segregação racial, “The Help” fala dos criados negros que serviam a burguesia branca das cidades sulistas dos Estados Unidos e das humilhações que diariamente enfrentavam.

A verdade mais difícil de engolir é que eram aquelas mulheres, que os donos da casa não autorizavam que usassem a mesma casa de banho, que cuidavam dos seus filhos loirinhos. Trocavam-lhes as fraldas, ensinavam-lhes a comer, a falar, a andar. Era no seu colo que as crianças se aninhavam em busca de mimo ou conforto. O trágico é que, muitas vezes, essas mesmas crianças cresciam e repetiam os mesmos padrões de abuso e desrespeito dos pais.

Aibileen (numa magnífica interpretação de Viola Davis) é uma dessas criadas que dedica a vida a limpar e a cozinhar, e acima de tudo a cuidar de filhos alheios enquanto o seu sofria os desígnios da pele. A menina de quem toma conta é Mae, rolicinha e adorável, mas a quem a mãe pouco liga e tem até alguma vergonha. Mae não terá mais de dois ou três anos e Aibileen ensina-lhe uma cantinela que a pequena repete: “You is kind. You is smart. You is important”. Para que ela se convença.

O que vem perturbar a rotina daquelas mulheres é a chegada de Skeeter (Emma Stone). A jovem havia completado os estudos e regressado a casa, desejosa de encontrar a sua velha ama Constantine – que desapareceu sem deixar rasto, mas isso já são pormenores que não se revelam.

Skeeter diverge da opinião da maioria e sente-se incomodada com a forma como as amigas – agora casadas, infelizes e com filhos – tratam os empregados. Aspirando uma carreira em jornalismo, decide escrever um livro recolhendo depoimentos de dezenas de mulheres negras da cidade. O processo, claro está, não é simples, e a princípio ninguém quer falar – estamos em plena época da Klu Klux Klan e o que não faltavam eram casas a arder e corpos mutilados.

Apesar do medo, o livro vai ganhando forma e quando sai é sucesso de vendas. Mesmo sendo um drama, o filme não tem falta de cenas cómicas, provando que o humor é o recurso dos resistentes.

“The Help”, baseado no livro de Kathryn Stockett, não foi especialmente bem recebido nos Estados Unidos. Um tanto cliché, um tanto batido, dizem. Mas eu não sou americana, nunca estive em Jackson, não tive ama e só conheço a bandeira da confederação dos filmes. Talvez por isso aprove a produção.

Numa coisa têm razão: a heroína da história é uma miúda loira, universitária, idealista, de boas famílias, que salva o dia com o seu bom coração. Sim, isso é verdade. Mas mesmo que a história não convença (eu acho que convence), há outros motivos para ver “The Help”. Há Viola Davis, Octavia Spencer, Allison Janney. E há ainda todo um irresistível guarda-roupa dos anos 1960. Se quiserem ir por aí.

The Help | Tate Taylor, 2011

1 comentário:

Fátima disse...

adorei a crítica =) eu também gostei do filme, apenas achei que o elenco das patroas estava muito cliché, ao passo que o das serviçais estava óptimo. por alguma coisa são elas as nomeadas ao Óscar e não a Emma Stone