sexta-feira, 21 de setembro de 2007

O concerto do Palma


Hora de ponta. O metro entupia e as pessoas empurravam-se para passar. Apressadas, correm sempre para algum lugar.
Mas desta vez havia também pessoas sentadas nas escadas, encostadas aos corrimões, apertadas nos cantinhos que sobravam. Todos sem pagar bilhete. Todos em bicos dos pés em direcção às luzes cor de rosa e ao fumo inebriante.
Deixei-me ficar atrás, longe da multidão. Os olhos alternavam entre as cancelas do metro e o palco enevoado. Velhos rabujentos passaram no corredor de fitas vermelhas e brancas, resmungando de cara feira contra aquela agitação contagiante. Dava para adivinhar as ofensas desactualizadas abafadas pelo som: "vadios", "galdérios", "vão trabalhar!". Havia também os que viravam a cabeça enquanto se afastavam da festa. "Que pena ser a estas horas...!". Que bom para mim.
Queria cantar, gritar, saltar, dançar. Mas não se faz coisas dessas sozinho. O telemóvel na mão sempre a postos. As palavras saíam da minha boca, cantadas numa surdina envergonhada que se foi esquecendo de onde estava.

"Só por existir
Só por duvidar
Tenho duas almas em guerra
E sei que nenhuma vai ganhar"

Tanta gente parada num sítio de passagem. Olhos para o alto, sorrisos no rosto. O ar estava cheio de música partilhada.

"Só por ter dois sóis
Só por hesitar
Fiz a cama na encruzilhada
E chamei casa a esse lugar"

Já não estou sozinha. Mergulhamos na multidão, como quem salta da prancha da piscina. Empurra, empurra. Não vejo nada, muito menos vê a Fátima. Onde é que ele está? Eu conheço esta voz, esta gargalhada contagiante que responde a um comentário abafado. Esta voz que canta por cima do coro das outras. Que nos fez cantar a rir, com a convicção de quem quer afrontar o mundo:

"Se eu fosse compositor compunha em teu louvor um hino triunfal
Se eu fosse crítico de arte havia de declarar-te obra prima à escala mundial
Mas eu não passo de um homem vulgar, que tem a sorte de saborear
esse teu passo inseguro e o paraíso no teu olhar"

É aquele, está ali! De rabo de cavalo? Bem... foi para mudar, se calhar. Não, não, é aquele!! Também não, aquele é um "garoto" diz a Fátima. Onde está, onde está?
Quando se apagaram as luzes vimo-lo de raspão. O cabelo quase branco em desalinho, olhos de louco, dedos descontrolados que batem genialmente nas teclas do piano. Voz de vôo nocturno.

Lá fora o céu era um cobertor cor-de-rosa-laranja. De CD na mão desci a rua até ao comboio.

"Enquanto houver estrada pra andar, a gente vai continuar, enquanto houver estrada pra andar
Enquanto houver ventos e mar, a gente não vai parar
Enquanto houver ventos e mar..."

5 comentários:

Fátima disse...

o teu estilo desenha-se entre um misto jornalístico e poético, gosto tanto. =) duas "garotas" no meio de uma multidão sentindo músicas da banda sonora da vida... fugaz como o metro, diferente como o céu que de repente ficou cor-de-rosa.
gostei muito!!

Fátima disse...

e ao chegar a casa ainda vi a minha amiga do jazz :O tens de vir comigo no sábado ;)

Fátima disse...

vamos=)

Enolough disse...

Dava para adivinhar as ofensas desactualizadas abafadas pelo som: "vadios", "galdérios", "vão trabalhar!".

tss tss, estes adivinhanços são muito feios :P isso é coisa do preconceito (hihi)

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Gostava de ter visto esse sorriso quando começou o concerto... Mas eu vi na mesma.

Rui Coelho disse...

escreveste isto mal chegaste a casa, n foi? =)