sexta-feira, 25 de abril de 2008

25 de Abril. Sempre?

Ele disse um poema com voz de lágrimas. Os nossos corações pequeninos de o ouvir. Ele não percebe que não queremos ouvir despedidas nem lamentos. Nós gostamos tanto dele que não cabe no peito, queremo-lo feliz. Sorridente, como sempre foi.
Olho para o lado na altura do bichanar sobre como está enfraquecido. Uma pequena folha murcha ao vento. Ele não acredita que a força está mesmo no interior. É verdade, avô, acredita. Somos jovens no coração, mesmo que custe descer as escadas, mesmo que as paisagens já não sejam nítidas.
O poema, de Camilo Castelo Branco, dizia assim:

Amigos, cento e dez, ou talvez mais,
Eu já contei. Vaidades que sentia:
Supus que sobre a Terra não havia
Mais ditoso mortal entre os mortais!

Amigos, cento e dez, tão serviçais,
Tão zelosos das leis da cortesia,
Que já farto de os ver me escapulia
Às suas curvaturas vertebrais.

Um dia adoeci profundamente:
Ceguei. Dos cento e dez houve um somente
Que não desfez os laços quase rotos.

– Que vamos nós – diziam – lá fazer?
Se ele está cego, não nos pode ver!...
– Que cento e nove impávidos marotos.

O que eu lhe quis dizer é que o poeta podia ter amigos desses, mas ele não. E que naquela mesa, com os olhos ou sem, todos vão permanecer. Porque ao contrário do que se costuma dizer, o amor não "demora uma vida para se ganhar, e um minuto a perder", isso são balelas. O amor a sério é coisa que bate e fica. Permanece. E ele não sabe, mas nós não fazemos as festas de anos só para ele. Fazemo-las para nós também, para apurar este sentido de família.
Gostava de lhe dizer que é o elo. Somos todos rezingões à nossa maneira, mas ele é a alma da mesa, das histórias, da vida. É a memória e o presente.
Ele é o nosso 25 de Abril. A nossa democracia familiar.
Ele não pode dizer: "Um dia adoeci profundamente: /Ceguei. Dos cento e dez houve um somente". Porque nós, avô, somos seis.

3 comentários:

Unknown disse...

Nao podia ser melhor. Obrigada, apesar de o amor nao se agradecer. Paula

Fátima disse...

=') oh Inês. nem sei que diga

(outra coisa, cheguei hoje, vamos ao indie sim! dps mando sms!)

mchiavegatto disse...

Ate eu fiquei emocionada :)