sexta-feira, 20 de março de 2009

O cego furioso que toca e canta rap

Já toda a gente sabe que sou fã da Alexandra Lucas Coelho - para mim ela é a melhor jornalista de sempre. Mas claro que frases destas são parvas porque em cada género há um génio (boa frase, hein?), e no da reportagem no sentido mais puro da palavra - o de ir para a rua falar com as pessoas, saber descrever a essência de um ambiente - o Paulo Moura está lá em cima. Hoje a crónica dele merece ser transcrita. Não só porque, como sempre é deliciosa, mas porque é sobre uma pessoa que todos os utilizadores do metro de Lisboa conhecem:


"O cego entra no metro. Finalmente! Andava à espera de o apanhar, para lhe fazer uma entrevista. Entra e começa logo, ta-ta-ta ta-ra-ri-tu-ta-ra. Não há propriamente uma interrupção entre o cruzar da porta e o avançar pelo corredor, com a bengala e a caixa de esmolas, ta-ta-ra pim-pimpim, está tudo dentro do ritmo, cada movimento, cada palavra, “quei-ra ter-a-bon-da-de-m’aux’liar”, ta-tara-tim-tim-tim-tim. Tudo nele é balanço, downbeat e upbeat, andamento funk, com momentos de drum-and-bass e hiphop, paradiddle, paraparadiddle, a caixa de esmolas é a tarola, a bengala no chão do metro é o bombo, o varão das plataformas os pratos. De repente pára, faz um fi ll-in e dois breaks de tarola e kick, volta ao groove sincopado, tata pak-tch-pak-tch pim-pim-pim, lá vai ele, curvado, certinho, sem falhar um contratempo, paradiddle, paraparadiddle, “quei-ra ter-a-bonda-d’maux-liar...” ta-ta-pim pim-pim.
É um fenómeno. Com uma bengala e uma caixa de esmolas, faz melhor do que a maior parte dos percussionistas. Os seus ritmos são complexos, densos, ricos, subtis. Vê-se que foram aperfeiçoados durante anos. Às vezes, só de o ouvir entre duas paragens de metro, fico com aquelas formas rítmicas no ouvido o dia inteiro.
Não há dúvida: ele é muito bom. Confirmei-o com amigos bateristas, Djs. O homem tem uma cultura musical vastíssima, disseram. Vê-se pela maneira como “toca”. Influências funk, hip-hop, breakbeat, certas correntes jazzísticas do Bronx dos anos 70. Mas então como é que um artista desta craveira anda a pedir no metro, batendo com a bengala no chão e nos varões? É a minha grande questão.
Decidi dar a conhecer a sua história. Talvez, com a publicação da reportagem, alguém decidisse
apostar nele, o convidasse para integrar uma banda, ou dar um concerto. Ainda tenho esta visão idealista e naíve do jornalismo.
Levanto-me e vou atrás dele. É hora-de-ponta do fi m da tarde e a linha azul está à pinha. Toco-lhe no ombro e ele pára, erguendo a caixa das esmolas. Mas eu, em vez de lá deitar uma moeda, explico-lhe que sou jornalista e o quero entrevistar.
Há um pequeno compasso de espera. E logo a seguir, para uma das grandes humilhações públicas da minha vida, o pedinte começa aos gritos. “UMA ENTREVISTA? É PRECISO MUITA LATA! EU QUE AINDA HOJE NÃO ME CONSEGUI ESTREAR! E ANDA QUEREM IR GOZAR COMIGO PARA OS JORNAIS? NÃO VÊ QUE EU ESTOU UMA PILHA DE NERVOS? AINDA NÃO ME CONSEGUI ESTREAR!
O metro está em andamento, não há por onde escapar. Fica tudo a olhar para o pedinte e para mim. Principalmente para mim. Aproximo-me da porta. O cego não se cala. “QUER APROVEITAR-SE DE MIM! NO JORNAL! ERA O QUE FALTAVA!”
O metro pára na Baixa-Chiado e eu corro dali para fora. O pedinte sai também e estaca no
meio da estação aos gritos. “UMA ENTREVISTA! QUE LATA! NÃO HÁ UMA FILHA DA PUTA DE UMA PESSOA QUE ME AJUDE! NÃO ME CONSIGO ESTREAR!”
Nem eu, que queria vê-lo estrearse no pavilhão Atlântico, fui capaz de o estrear."

Aproveito para publicitar o seu recente blog. Porque, como diz a Sofia, "não sei quem é que teve a ideia de o pôr a fazer um blog, mas foi uma ideia genial!".
http://blogs.publico.pt/reporterasolta/

5 comentários:

mchiavegatto disse...

Ahahaha Eu ODEIO esse cego! Ja me insultou IMENSAS vezes! lolol
E sim, o P. M. ta la em cima!

Fátima disse...

O que me ri! Ele é sem dúvida genial! E adorei a parte do jornalismo naíve. Alguém tinha de fazer uma reportagem sobre o cego que canta rap, e tinha de ser ele!

Faithless disse...

Minha alma tolinha, esse ceguinho triste e pobre que canta rap no metro era nada mais nada menos do que um tipo vindo de boas familias, que foi caindo no vicio da droga. ´

Com o tempo foi-se tornando agressivo e até execrável, segundo sei. E é um tipo que insulta quem não o ajuda para ir comprar mais uma agulhinha ali ao Martim Moniz... Cego? nem por sombras... mete-lhe uma nota de dez euros no chão e vais ver o milagre dele voltar a ver...passe a redundancia

i disse...

Meu caro/a Faithless,

Caso não tenha reparado, o texto não é meu, eu estava a citar outra pessoa. Além disso, esse facto não retira a qualidade do texto em questão, que era o que eu queria salientar.

Ass: Alma tolinha
ou i

Anónimo disse...

Um diz ODEIO esse cego! jé me insultou IMENSAS vezes!
Meu Deus!!! o que será que lhe fez ou disse IMENSAS vezes para ele o insultar??
Uma pessoa cega não insulta outra sem que lhe essa pessoa lhe faça ou diga algo que a ofenda.

Outro diz que o que se ri!!!
Dá assim tanta vontade rir???
Também diz alguém tinha que fazer uma reportagem sobre o cego que canta rap e tinha de ser ele!!
E eu digo porque não???
E também digo o Nuno não usa seringas... fuma cocaína...Não sejam mauzinhos não vão ao extremo..
Não é por sombras é escuridão que é a visão dele ele é mesmo cego desde os sete anos quem dera que houvesse um milagre que o pusesse a ver mas infelizmente não pode haver, olhem bem para ele... o mais cego é aquele que não quer ver!!!
Agora digo eu ODEIEM as pessoas que vos prejudicam e vos fazem mal... A Palavra ódio é muito forte11

RIAM-SE dos parasitas da sociedade que nem sequer por exemplo sabem fazer um pouco da música que o Nuno FAZ.

E agora também digo SOU A MÃE DELE!!!

Imaginem como fico quando leio as coisas que pessoas como vocês escrevem!!!