domingo, 30 de outubro de 2011

Portas, janelas e afins

Sempre fui da opinião que não existem pessoas más. Que toda a gente tem os seus traumas, manias, raivinhas e rancores que os levam a ter determinadas atitudes. A maldade é subjectiva.
Hoje, começo a duvidar. Continuo a achar que serão poucas as pessoas genuína e inteiramente más. Mas a excepção confirma a regra e a maldade encontra-se raramente, sim, mas sempre embrulhada com o maior requinte. É por isso que quando aparece, surpreende. Não é bruta e grotesca, é matreira e sofisticada.
O que vale é que, a par destas tristes constatações, encontro outras: de que há por aí muito boa gente, muito mais que má, com um coração gigante e a mão sempre estendida para ajudar. Dou por mim a pensar que sem elas já teria perdido a sanidade. Eu, que por estes dias ando a equacionar tornar-me religiosa, penso nesses ditados que dizem que "Deus dá com uma mão e tira com a outra" ou que "fecha uma porta mas abre uma janela". Penso nisso.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Às cinco da manhã


"This is a snakeskin jacket. And for me it's a symbol of my individuality, and my belief in personal freedom."


terça-feira, 25 de outubro de 2011

Há dias em que me sinto como naqueles filmes em que alguém "apaga" a vida de uma personagem e de repente o que lhe pertencia passou a ser estranho. Há sempre uma fase em que o herói tenta provar a toda a gente que é quem diz ser. Essa fase já passei, mas de vez em quando ainda olho para as fotografias e penso "como é que tu não és quem eras?"
Hoje escrevia num artigo a frase "Mas Hergé nunca foi à China". Depois corrigi "Mas Hergé nunca veio à China". E pensei: coa breca, estou na China!

domingo, 23 de outubro de 2011

"Isto é surreal!"

Tenho muita pena de ainda agora, que comecei a escrever este post, esteja a olhar para o relógio e a pensar que não é altura para posts.
Mas tem que ser. Não porque tenha alguma obrigatoriedade em manter um blog, mas porque escrever me ajuda a manter a sanidade e porque é uma via de comunicação com um punhado de amigos muito queridos e que pouco ouvem de mim. E porque Macau merece, caraças, merece! Este sítio é de outro mundo. E se eu conseguisse explicar isso, seria maravilhoso.
Há uns dias o meu prédio entrou em obras. Uma barulheira infernal daquelas que ninguém que se deitou às 4 da manha (e não foi para beber copos) merece. Algumas vezes me tocaram à campainha - cuja música é sempre diferente e é sempre uma canção qualquer, como em todas as campainhas para estes lados - mas eu, de pijama e a tentar manter-me no mundo dos sonhos, ignorei. Um dia, já estava de banho tomado e vestida, tocaram de novo. Abri. E a apartir daí não tive qualquer controlo sobre o que se passou.
Patati patata, pim pim, pototo, senhores das obras, umas senhoras de aspirador na mão, muito falam e gesticulam, eu só digo "sorry, sorry, just english". Entram-me pla casa a dentro, escadote, ferramentas e tudo o que é preciso, e começam a furar-me a parede. Bom, mais precisamente o quadro eléctrico (parece seguro, nao parece?). Eu às tantas desisto de perceber o que se está a passar e continuo a almoçar, agora com um saborzinho a pó de pedra. Nham! A certa altura a luz vai abaixo, eu levanto a cabeça, o senhor lá continua em actividades potencialmente perigosas e eu 'ok, vou lavar a loiça'. Quando regresso o homem tinha-se sumido, a luz voltou, mas posso ter aqui uma bomba instalada em casa que nunca saberei (bom, até ao dia).

Esta foi a bizarria Macau da semana. Dessas do dia-a-dia. Depois, a grande Lusofonia! (rimei e tudo!)
Este fim-de-semana aconteceu em Macau, como acontece todos os anos, o Festival da Lusofonia. Uma espécie de Santos Populares, em que uma zona antiga da cidade é toda decorada com barraquinhas dos países CPLP, com um palco ao fundo onde bandas dos vários países actuam. É o gathering de todos os falantes de português, de Timor a Goa, Angola, Moçambique, Brasil, por aí fora. Literalmente toda a gente está lá. Se quisessem eliminar-nos era pôr uma bomba na Lusofonia.
O espírito é do melhor, as caipirinhas são más mas voam a uma velocidade estonteante, e nesse dia toda a gente tem samba no pé e ensaia uns passos de funaná. Nesse dia também se encontram entrevistados, desses engravatados e sérios, que na Lusofonia são todos abraços, já trocam as letras e dizem o que não devem. A Lusofonia tem muito amor para dar.
Eu fui aos dois dias possíveis, sexta e sábado. Ontem consegui finalmente encontrar-me com uma jornalista da Renascença que veio de Portugal em reportagem. Ela estava maravilhada. Dizia "isto é surreal, estar na China e ver isto!". E nós sorrimos. E depois sorrimos um pouco mais porque com os dias que passam, com o stress, as corridas, as noites mal dormidas, não tempos tempo para dizer que de facto isto é surreal. As famílias de chineses a cantarolar "Ó malhão, malhão", a misturada de gente de países que falam como nós mas que são tão, tão diferentes. O assessor do Governo que me chama Santinho e anda de all stars.
Macau é isto. É a Amélia que na verdade tem um nome chinês que eu não consigo fixar, que é de Tsingtao (sim, da terra da cerveja!) mas fala português quase como eu, diz "não quero puxar a brasa à minha sardinha" e ouve a Rádio Macau portuguesa. Macau são todas as coisas improváveis numa só. É estar a ouvir a emissão em directo da rádio e a pensar como é um luxo ver isto tudo de perto e como não é em todo o lado que se encontram pessoas que dão tantas gargalhadas a trabalhar.
Como dizia a Maria João, isto é mesmo surreal. Ela, que roubou ao sono horas para conhecer a cidade fora dos casinos, perguntava onde podia ir a seguir. E a gente disse, desenhou mapas e soletrou enigmas para dizer ao taxistas. Não sei se ela ontem chegou ao Xexe, mas tenho a certeza que se não o fez, foi porque foi parar a um sítio ainda melhor. Porque Macau é assim.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Hoje o meu pai reclamou que "os jornalistas querem sempre tudo para ontem". É oficial: a minha vida deixou de se dividir entre assuntos de trabalho e pessoais.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Enough will do

Seria bom um dia acordar e saber que aquilo que sou chega. Para alguém, pelo menos.

domingo, 16 de outubro de 2011

Passos em volta: Alguém que guie

Metade da magia de uma viagem é o caminho que se faz até chegar ao destino. Seguindo na Rua do Campo, já depois do McDonalds – esse marco do património –, um mural lembra-nos da necessidade de procurar a luz. Afinal, quantos de nós podem dizer que não buscam direcção?

O caminho faz-se caminhando e, de subida em subida, mapa já fechado e nariz no ar, o turista procura um ponto na paisagem. De passagem vê vestígios de uma cidade que conserva uma fé eternamente misteriosa aos olhos que vêm de fora. O incenso sempre queima, o vermelho sempre impera e as estatuetas sentadas em flores de lótus mantêm o sorriso de mona lisa. Aqui, onde o consumo dita o mote, onde a arte mais querida é a de apostar, os vestígios de uma espiritualidade enigmática merecem fotografia.

Click. Sobe as escadas. Mais um click e estamos no jardim, mais outro e já guardámos na máquina as velhotas que conspiram à sombra e as crianças que observam adultos a dançar com espadas.

Turista que é turista, mesmo na sua cidade, compra bilhete de teleférico. A subida, ainda que compartilhada com um apaixonado casal de namorados, conserva algum encanto de antecipação – afinal, a luz já deve estar perto.

Depois vem a parte melhor: a certeza que em minutos veremos aquilo que a vegetação esconde, aquilo que se lê nos livros e se avista em pequenino lá de baixo, da Praça do Tap Seac. As placas verdes indicam a direcção. Um click aqui, mais outro ali, que os prédios e avenidas já se vêem pequeninos e o Grand Lisboa parece de brincar.

Chegamos. O casal de namorados passeia, aponta para a paisagem, faz pose para o iPhone. Lança-nos um sorriso de reconhecimento. Também eles vieram à procura da Guia.

Depois de atravessar os túneis com maquinaria antiga e quadros a preto e branco, saímos do lado de lá, de onde se vê a ponte, de onde se vê tudo. À distância de um braço está o primeiro farol de características modernas ocidentais a ser construído no Extremo Oriente. É aqui que todos os caminhos vêm dar: as coordenadas geográficas de Macau estão definidas com base na localização exacta do farol.

A fortaleza é de 1622 e defendeu a cidade dos holandeses. Hoje, não testemunha lutas armadas, mas nem por isso perde a sua aura protectora. Aqui se erguem os sinais de tufão e a bandeira verde-esperança que dá cor à complexa identidade de Macau. Para aqui vêm não só turistas, mas caminhantes que procuram perspectiva, uma visão panorâmica da cidade e da vida, um lugar onde os carros não se ouvem e a paisagem convida à leitura. Quem busca sempre alcança.

Para baixo todos os santos ajudam, mas isso é na Europa. Aqui, na China de Macau, os santos (ou seja lá o que forem) apenas nos lembram, a cada degrau descido, que devíamos voltar para cima o quanto antes.

Coisas surreais que me acontecem em Macau - devia criar um rubrica para isto

Então foi assim:
De repente, eram umas 11 da noite e salta a pergunta "alguém quer entrevistar amanhã o Mari Alcatiri"? O pessoal, a ver o dia de folga estragado, baixa os olhos. Tentei fazer o mesmo mas depois pensei que não se podia deixar passar essa oportunidade e digo "mas olha que eu não sei nada de nada de nadaaaaaa sobre o assunto". Foi o suficiente. No dia seguinte lá estava eu, com uma noite em branco espelhada nos olhos, mas com uma página de perguntinhas decentes para compensar. Foi esta a história de como entrevistei um ex-primeiro-ministro.
Cheguei à conclusão que não tenho roupa para estas coisas. A entrevista sai amanhã. Ao menos não apareço nas fotos.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Dava um dedo do pé para ficar o dia inteiro a dormir hoje.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Há dias em que duvidamos de tudo. Hoje eu pensei que já chega de ser tudo tão difícil. Que se calhar estabeleci metas que não tenho estofo ou inteligência para cumprir. Porque não dizer? Hoje quis fazer as malas e desistir. Afinal, nunca chegarei a fazer o que quero - quem chega? Diz-se que o caminho se faz caminhando, mas este tem-se demonstrado acidentado demais para os pés 36.
Hoje foi dia em que senti que não sou feita desse material de nascença que compõe os vencedores. Sou um ser mediano, bem intencionado, que insiste em expor-se ao ridículo.
Há dias lixados, sem que nada de particular aconteça. Aliás, esses são os piores porque são aqueles para os quais não temos desculpas.
Mas o pior - ou o melhor - é que aos 25 já não nos podemos dar ao luxo de dizer "no more". Então chegamos à cama, acertamos o despertador, e esperamos que o dia seguinte nos traga uma luz, um resquício que seja da tão desejada sabedoria.

domingo, 9 de outubro de 2011

Ser independente é...

... chegar a casa e ter uma barata de patas para o ar, a espernear.
Nessa altura eu reponderei a minha vida, pensei que teria feito melhor em ter arranjado um namorado, casado e viver hoje num T2 novo nos arredores de Lisboa.
Se tenho que matar baratas sozinha, a culpa é minha.
E apraz-me perceber que, apesar do extremo nojo, dos gritos que dei e das comichões que ainda sinto, ainda acho que vale a pena.



Se não voltar a aparecer foi porque morri intoxicada com a quantidade monstra de spray que deitei em cima do bicho e que infestou toda a casa. Mas morro vitoriosa.

Ontem...

... fui ao meu primeiro karaoke. Mítico. Mas falta ir com chineses.
Hoje... vou trabalhar. E... café.

sábado, 8 de outubro de 2011

Coisas boas de se morar sozinho

Comer gelado directamente da embalagem.

A caminho do farol da Guia


















sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Not under the stars...

A minha eterna admiração para quem descobrir que livro é que eu estou a ler, que contém a frase "I made love to her under the tarantula".

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

terça-feira, 4 de outubro de 2011

A idade

Tenho um amigo com quem combinei que se aos 40 estivermos sozinhos, casamos. Hoje, na brincadeira, ele disse-me "já só faltam 15 anos". And then it hit me... $$!)&(#("/%!#"?!!! Estou a menos de duas décadas dos 40!!
Hoje encontrei um cabelo branco.
Tenho 25 anos uma crise de pré-meia-idade.

Consegui!

Abri a máquina de costura. Não fica lá muito bem na sala, mas faço questão!



Passos em volta: Os dois


Já amanhecia e a conversa continuava. Daquelas conversas que só se têm no lusco-fusco, com um par de cervejas na mão e os olhos a arder de cansaço.

Ali, perante aquela vista de filme que é o lago Nam Van, a água, a ponte, a torre, as luzes reflectidas em espelho, uma pequena ilha verde no meio – não estivesse lá e diria que se tratava de Photoshop – foi quando percebi que não estava sozinha.

Ir “para os lagos”, como oiço dizer, não é coisa diurna. De dia é bonito, certamente, mas de noite é muito mais que isso. É o respirar fundo que indica o fim da semana, é o local onde se fazem planos optimistas para os dois dias que se seguem (planos raramente cumpridos em pleno) e é onde eu me sento no muro, paro o cérebro, falo, oiço falar, e sinto que afinal Macau também pode ser o meu lugar.

Mas voltemos à história. Os pés balançavam-me pendurados sobre o lago. Ao meu lado, a mala mais cara do mundo – falsificada. Ele, personagem de séries infanto-juvenis, ela, uma neurótica das mais adoráveis. Pelo menos é o que eles dizem. Eu só me rio. Rio e olho para aquela vista irreal. Rio e apercebo-me que estou aqui, na outra ponta do mundo, mas com gente que surpreendentemente me parece familiar. Torço o pescoço e orgulho-me de verificar que já sei onde estou. Não que isso interesse naquele momento, o que importa ali é a imagem de poster e as pessoas que falam.

Falamos de amigos, de raízes, de despedidas, de encontros, do que é estar em casa. Gosto sempre de quem tem dúvidas, de quem não sabe, como eu, exactamente o que está a fazer. Os pensadores, desterrados e confusos, dão-me uma certa fé na humanidade. Principalmente se forem pensadores, desterrados e confusos que gostam de beber cervejas às cinco da manhã de frente para um lago no meio de uma cidade, na ponta de um país onde as pessoas têm limitada visibilidade lateral – ou pelo menos é essa a teoria.

Quando os pássaros abriram de rompante naqueles chilreios, percebi que era dia. Os velhotes começaram a chegar para os seus exercícios matinais e os carros voltaram à circulação. A cidade voltava a ser real, das pessoas que dormem de noite e vivem de dia, das pessoas que jantam em casa e depois vêem um filme.

E foi aí que eu olhei para aqueles dois, agora já sem o escurinho confortável, já sem desculpas de conversas de meia-noite (esta expressão está tão desactualizada), e senti pela primeira vez neste continente aquilo que já tinha sentido noutros pontos do mundo: não estamos sozinhos enquanto tivermos alguém a quem podemos dizer aquelas coisas de frente a um espelho de água. Não importa se nos conhecemos há uma semana, um mês ou um ano. As amizades não se fazem de calendários. Fazem-se de madrugadas em Nam Van.

Passos em volta: Quatro candeeiros


São três que na verdade são quarto. E, como em tudo na vida, um destaca-se, eleva-se acima dos outros que são mais e de menor tamanho.

Aqui, onde as ruas desembocam, um círculo marca a reunião, como se do centro do universo se tratasse (não vale deixar-se enganar pelo tamanho porque o universo, toda a gente sabe, é à medida da varanda de cada um).

O largo dos Três Candeeiros, com o respeitoso nome de Rotunda Carlos Maia, faz parte do circuito alternativo da cidade. Se és turista vais ao Leal Senado; se vens para ficar, vais aos Três Candeeiros. E o conselho, logo de seguida, vem com a advertência: ‘Olha que na verdade os candeeiros são quatro’. O mistério ninguém sabe explicar e de resto também prefiro não saber.

Não quero ser turista, quero ser de cá, contornar as pessoas na rua à velocidade da luz, saber comer de pauzinhos e reclamar dos táxis. Por isso vou aos Três Candeeiros.

Entro pelo mercado de rua adentro, onde patos assam no espeto, ao lado de toalhas de praia, flores, vestidos e peixinhos de aquário. E pela primeira vez não me parece que não falo a língua. O cantonês escapa-me, mas a linguagem de uma feira é igual aqui, em Portugal ou na Venezuela. A dona da tendinha convence a cliente de que aquela camisola de lantejoulas, folhos e flores lhe fica bem a valer. A fruta está cara – está com certeza a roubar no peso! –, e no ‘ta pau’ não ponha picante, se faz favor – perdão, ‘m’goi’, que isso já sei dizer.

Bóias para crianças, jóias, talismãs, sumos, chaves, roupa interior. ‘Underwaist’, não se deixe enganar, é loja de fatos de banho. Mas se quiser roupa à medida, também se arranja e um “seja bem-vindo a esta Alfai Ataria” assim o prova.

Viro para a esquerda, viro para a direita, faço ziguezague por entre as donas de casa, entre o peixe seco, a carne a quilo, e as frutas pontiagudas – se soubesse tudo também não teria piada, não é? Por vezes o mistério ajuda a manter o encanto das coisas.

Um senhor careca, de bandolete preta (wishful thinking?), remexe ao lume uma mistura que não reconheço, mas arriscava dizer que é carne. Ao lado, folhas de bananeira dobradas em almofadinhas escondem um recheio promissor. Ele olha-me esperançoso, sorri, aponta para a mágica caixa de esferovite mas eu aceno que não. O dia avizinha-se longo e guardo as aventuras gastronómicas para o fim-de-semana.

Macau que é tão português, na calçada, nos pastéis de nata, nos nomes das ruas e nos restaurantes, aqui não existe. Mulheres sentadas no chão falam alto e riem. Há ovos de três ou quatro cores diferentes, frutas e vegetais que, se já comi, não dei conta. Montras com aparelhos domésticos vendem maquinetas que nem imagino para que servem.

O relógio dá-me pressa e eu lamento. Nos Três Candeeiros fica-se uma tarde, a espiolhar, remexer, cheirar, provar. E sempre, sempre, a gesticular. Porque afinal, eu ainda não sou daqui.

Passos em volta

O meu jornal tem uma rubrica às sextas-feiras chamada "Passos em volta". É um texto sobre uma qualquer parte da cidade, um olhar pessoal, literário, metafórico ou não, histórico ou não, poético ou não. É o que quisermos. Sai uma vez por semana e é escrito por cada uma de nós rotativamente, o que quer dizer que calha a cada uma mais ou menos uma vez por mês. Eu fiz dois até agora. Achei que teria piada começar a publicá-los aqui também. Os meus são claramente os piores - mas pronto, ao menos é prata da casa, não é?

A máquina de costura

A minha casa estava cheia de coisas estranhas. Uns móveis feios aos quais me estou a afeiçoar, muitas, muitas cadeiras que enfiei no quarto vago (que está feito dispensa) e três bilhas de gás vazias que ainda cá estão - chamo-lhes "decoração rústica".
Quando cá vim ver a casa reparei numa coisa: uma antiga máquina de costura. Linda, verdadeira, das que foram mesmo usadas. Enferrujada. O dono da casa pô-la no tal quarto, já fechada, com aspecto de mesa, guardou-a num cantinho e pôs-lhe folhas de jornal por cima, para proteger. Lembro-me que me chegou a pedir se podia ficar cá em casa, guardada num sítio qualquer. Como que a pedir desculpa pelo mono. Na altura respondi "não, mas eu adoro-a!" e ele riu-se, surpreendido.
Entretanto tinha-me esquecido da máquina/ mesa. Até hoje. Retirei a fila de tralha que a escondia, tirei os papéis e olhei para ela. Tentei movê-la - é pesada pa caraças. Tentei abri-la, pôr a máquina cá fora, mas ainda não descobri como. Entretanto pus-me a brincar: abri umas gavetinhas de lado. Lá dentro, dedais, botões, agulhas. Mal arrumadas, como as das pessoas que realmente cozem.
Deixei-me ali por momentos e contemplar aquele objecto. A pensar nas histórias que deve ter. (A temer que guarde uma barata lá dentro).
Alguém sabe como posso abri-la?
Vou tentar arrastá-la. Gostava mesmo de ter uma máquina de costura na sala. E faz-me falta uma mesinha para pousar o chá ao lado do sofá.

domingo, 2 de outubro de 2011

Fazendo ninho

A minha casa estava quase vazia. Tinha o essencial e um essencial feio. Então eu vou comprando uma coisinha aqui, outra ali, para uma dia chegar e sentir que isto é casa.
Andava à procura de uma cafeteira para fazer café mas no supermercado barato aberto 24 horas não havia - isso é só no caro. Então, e já que ali estava, comprei uma chaleira. Não foi ao preço da chuva como são no Reino Unido, mas também não foi muito cara. E quando cheguei a casa, pus aquela patilha para baixo e comecei a ouvir o gorgolejar da á água a ferver... ah, priceless! Apesar do calor, pus uma saqueta de chá (pena não ter encontrado de menta) na minha caneca nova, enrolei o fio na pega como de costume, e sentei-me no sofá. Uma coisa tão simples fez uma diferença tão grande, trouxe-me à memória esse sentimento de "casa", de "este é o meu espaço". Este gesto, o som, o ritual, com chá ou café, esteve presente todos os dias da minha vida nos últimos dois anos. Repeti-lo soube a casa. Já só falta a família.

Uma ínfima parte de Macau