São três que na verdade são quarto. E, como em tudo na vida, um destaca-se, eleva-se acima dos outros que são mais e de menor tamanho.
Aqui, onde as ruas desembocam, um círculo marca a reunião, como se do centro do universo se tratasse (não vale deixar-se enganar pelo tamanho porque o universo, toda a gente sabe, é à medida da varanda de cada um).
O largo dos Três Candeeiros, com o respeitoso nome de Rotunda Carlos Maia, faz parte do circuito alternativo da cidade. Se és turista vais ao Leal Senado; se vens para ficar, vais aos Três Candeeiros. E o conselho, logo de seguida, vem com a advertência: ‘Olha que na verdade os candeeiros são quatro’. O mistério ninguém sabe explicar e de resto também prefiro não saber.
Não quero ser turista, quero ser de cá, contornar as pessoas na rua à velocidade da luz, saber comer de pauzinhos e reclamar dos táxis. Por isso vou aos Três Candeeiros.
Entro pelo mercado de rua adentro, onde patos assam no espeto, ao lado de toalhas de praia, flores, vestidos e peixinhos de aquário. E pela primeira vez não me parece que não falo a língua. O cantonês escapa-me, mas a linguagem de uma feira é igual aqui, em Portugal ou na Venezuela. A dona da tendinha convence a cliente de que aquela camisola de lantejoulas, folhos e flores lhe fica bem a valer. A fruta está cara – está com certeza a roubar no peso! –, e no ‘ta pau’ não ponha picante, se faz favor – perdão, ‘m’goi’, que isso já sei dizer.
Bóias para crianças, jóias, talismãs, sumos, chaves, roupa interior. ‘Underwaist’, não se deixe enganar, é loja de fatos de banho. Mas se quiser roupa à medida, também se arranja e um “seja bem-vindo a esta Alfai Ataria” assim o prova.
Viro para a esquerda, viro para a direita, faço ziguezague por entre as donas de casa, entre o peixe seco, a carne a quilo, e as frutas pontiagudas – se soubesse tudo também não teria piada, não é? Por vezes o mistério ajuda a manter o encanto das coisas.
Um senhor careca, de bandolete preta (wishful thinking?), remexe ao lume uma mistura que não reconheço, mas arriscava dizer que é carne. Ao lado, folhas de bananeira dobradas em almofadinhas escondem um recheio promissor. Ele olha-me esperançoso, sorri, aponta para a mágica caixa de esferovite mas eu aceno que não. O dia avizinha-se longo e guardo as aventuras gastronómicas para o fim-de-semana.
Macau que é tão português, na calçada, nos pastéis de nata, nos nomes das ruas e nos restaurantes, aqui não existe. Mulheres sentadas no chão falam alto e riem. Há ovos de três ou quatro cores diferentes, frutas e vegetais que, se já comi, não dei conta. Montras com aparelhos domésticos vendem maquinetas que nem imagino para que servem.
O relógio dá-me pressa e eu lamento. Nos Três Candeeiros fica-se uma tarde, a espiolhar, remexer, cheirar, provar. E sempre, sempre, a gesticular. Porque afinal, eu ainda não sou daqui.
1 comentário:
"Um senhor careca, de bandolete preta"
ai o que me ri agora
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