sexta-feira, 20 de junho de 2008

O espírito do Euro chegou até mim (um pouco tarde, talvez)

Maldito jogo. Ontem que eu sofri pela primeira vez na vida. Naqueles últimos dez minutos eu já dizia "Ai ai ai ai", "mas não sabem chutar sem ser para cima da baliza??" e outras coisas que tais. Depois o senhor do relato invocava o jogo República Checa - Turquia, e a esperança não ia embora. Mas pronto, acabou-se. A verdade é que há mais, é só esperar.
Mas hoje de manhã, na minha saga de transportes públicos, dei por mim a ler as primeiras páginas do jornal, dedicadas obviamente ao jogo. Não li tudo tudo, mas li! E havia textos bem giros, a começar por o de uma jornalista que foi ver o jogo com os emigrantes em França e que contava como no café do Senhor António "as poucas mesas disponíveis tinham sido reservadas com dias de antecência. U-la-la". Não resisto em mostrar este bocadinho:

"«Os portugueses, aqui, são mais portugueses do que em Portugal, mais orgulhosos das raízes», comparava Rui. Além disso, «se se atirar uma pedra ao ar, cai na cabeça de um português». Ao lado de Rui, um amigo perguntava à jornalista para que chaîne trabalha. Rui indignava-se: «Canal, pá. Vê-se logo que és emigrante!» Mas tudo isto foi antes do primeiro golo da Alemanha. E do segundo. E do terceiro. O humor tomou a forma de cão e as lágrimas já caíam de algumas caras, enquanto as mãos se chegavam para rezar e putain! emocionados tropeçavam de algumas bocas. "

E o melhor de tudo, além dos textos de análise do jogo e dos comentários internacionais, foi esta crónica que o Mário Lopes (sim, o do Ípsilon!) escreveu antes do fatídico jogo começar:

"Há um doce perfume de nostalgia a percorrer o Euro 2008. Sinto-o ao ver a Holanda despachar campeões e vice-campeões do mundo, animada por um elo que liga directamente Robben, Sneijder e Van Nistelrooy a Cruyff, Rensenbrink e Neeskens. Está a jogar um futebol magnífico, mas ninguém me tira da cabeça que o segredo reside tanto na táctica e nos jogadores como nos números estampados nas camisolas: poderoso feitiço, esse de recuperar o design utilizado pela «Laranja Mecânica» original na década de 1970.
Sinto também um agradável odor perfumado ao acompanhar esta Rússia que se ergueu das cinzas para, numa mescla letal de talento e férrea organização eslava, me recordar nomes como Rinat Dasaev, Igor Belanov ou Alexei Mikhailichenko.
Tal como acontecia nos tempos da União Soviética, esta Rússia é formada quase em exclusivo por jogadores do seu campeonato nacional e, dado que ninguém acompanha o campeonato russo para além dos próprios russos, a sua selecção surge envolta numa fascinante aura de mistério (depois do endeusamento 365 dias por ano dos Drogbas, Robinhos e Messis deste pequeno mundo de Premier League e La Liga, é refrescante confirmar que Arshavin é um monstro do futebol ou aprender a soletrar correctamente Pavlyuchenko, só para lhe demonstrar o nosso apreço).
Portugal não tem acesso a este tipo de nostalgia. O Mundial de 1966 foi um caso isolado e os sucessos relativos de 2004 e 2006 são demasiado recentes. Assim sendo, sem as referências que têm Rússia ou Holanda, resta-nos acreditar em Deco e Ronaldo e recorrer à mais nobre e antiga receita futebolística para a vitória, a superstição.
À hora em que escrevo esta crónica, estamos a poucas horas do jogo com a Alemanha. Já tenho tudo preparado. A camisola da selecção, réplica da de 66, engomada e pronta a vestir. A mesa de madeira nobre, envernizada e ao alcance da mão, que lhe dará três toques cada vez que um herege invocar a ínfima possibilidade de derrota. Ao lado da TV, a foto do Sérgio Conceição, o homem do hat-trick aos alemães em 2000. No centro da sala, o totem índio que, 10 minutos antes do jogo, rodearei em saltos rituais e gritos ululantes (Scolari devota as suas energias a Nossa Senhora do Caravaggio, eu sinto-me mais dado ao animismo). Nada pode falhar. Não temo Ballack, Podolski ou Klose.
Apenas uma coisa me atormenta. Imagino-o em Hamburgo. Tem já vestida a camisola de Oliver Bierhoff, autor do golo de ouro da final de 1996, e prepara cuidadosamente um altar a Thor. Raios!: vejo-o a encerar uma mesa de madeira. Pânico!: o poster afixado sobre o plasma não é do Schweinsteiger, o tipo que nos marcou dois golos em 2006?
Se Portugal perder com a Alemanha (três toques na madeira, um beijo na foto do Sérgio Conceição, uma volta ao totem), a culpa é de um tipo em Hamburgo que engendrou um feitiço de superstições mais poderoso que o meu. E, se acontecer isso que não vai acontecer (três toques na madeira, um afagar da foto do Sérgio Conceição, volta ao totem em sentido contrário), nunca perdoarei o anónimo adepto alemão que nos impediu de continuar a construir o magnífico edifício de nostalgia."

Concluo que a culpa foi do "tipo de Hamburgo". Esses descrentes!

3 comentários:

Marta disse...

Vamos matar esse tipo de Hamburgo à moda antiga tipo pauladas e afins. Maldito! =P

Helga disse...

só surpresas! mais do que termos perdido, surpreendes-me tu. Primeiro, com curiosidades estranhas que chegaram ao meu e-mail. E, pior, andas a ler coisas sobre futebol?? Nês? Quem és tu?

Anónimo disse...

parece que finalmente percebeste! e com essas citações tão boas, também parece que até sabes o que é a La Liga e quem são esses jogadores todos!
(mas deixa lá, os russos e os da década de 60 eu tb n faço ideia...).
Com essa da culpa é q eu n concordo, foi mesmo nossa! com o Paulo ferreira e o ricardo na dianteira...