domingo, 17 de abril de 2011

Mundo da restauração - Parte II

Pois que estou de volta. Depois de mais uma fase de pânico "ó meu Deus como é que eu vou pagar as contas??" e de "e se não encontro um part-time??" as coisas encaminharam-se e cá estou de farda outra vez.
Ainda não contei a todos os meus amigos cardiffianos que é um restaurante espanhol. É que eles vão achar um piadão e eu tendo a evitar momentos em que as pessoas se riem de mim. Se bem que tenho que admitir a ironia da coisa. Passei o último ano e meio a explicar que não, não sou espanhola, que Barcelona é de facto muito bonita mas eu só lá fui de férias, que não tem de quê mas "gracias" não é "thank you" em português e que mesmo que o hino espanhol tivesse letra eu provavelmente não a saberia - porque eu não sou espanhola. Pois agora, lixas-te, vai lá trabalhar num restaurante de tapas, paella e vinho rioja.
Ora então, depois de uma experiência na terça-feira para ver se eu me safava, eis que ontem tive o meu primeiro turno. Uma pessoa pode pensar que quem já trabalhou num restaurante sabe trabalhar em todos. Isto não podia estar mais longe da verdade - digo eu e a minha vasta experiência de 6 meses no mundo da restauração e hotelaria.
O restaurante é giro que se farta, a camisa que me deram é à vontade uns 4 números acima mas a malta é muito simpática. Está tudo muito bem organizado, o restaurante tem zonas um, dois, três e quatro. E há equipas para fazer tudo. Há o pessoal da entrada (marcações, levar à mesa, e coisas dessas mais chiques - são os managers que tratam), há a equipa que leva a comida à mesa, a que leva as bebidas, há o pessoal do bar (que faz as bebidas) e os que tiram os pedidos dos clientes e levantam os pratos. E a cozinha, claro.
Ora na terça-feira explicam-me, então, isto tudo, passeiam-me pelas instalações e apresentam-me àquilo que até hoje é a minha grande dor de cabeça (e desconfio que será até ao último dia ): o número das mesas. 101, 102, 103 - "mas a 103, que é aquela grande, às vezes divide-se ao meio então passa a ser 103 e 113" - 104, 105, 115 - "ninguém sabe porque mas a seguir à 105 há uma 115" - 106, 107. Depois salta para a 200 - "aquela pequena no canto" que não está por ordem" e seque até... desculpem mas não sei porque algumas "mesas" das 2 estão no bar e eu perco-me. Além disso acho que a 201 é aquela grande que eu nunca encontro. Adiante: as 3 acho que dominei, fazem um L junto à parede, a do canto é a 305 - "o mais fácil é decorares os cantos e assim podes contar para a frente e para trás. Um pequeno quizz: esta qual é? Eu: 40...3? Chefe: 409. Decora". As 4 também não são muito difíceis depois de se aprender que seguem em cobra - wtf? - mas como são muitas eu cada vez que levo alguma coisa vou a contar: 402, 403, 404, 405, 406... 407! Ah, pois, bastava ver que a 407 é a do fundo. Eles bem me tentaram convencer que isto tem uma lógica.
Bem, mas já estou a pôr a carroça à frente dos bois. Estava a contar-vos então da minha experiência na terça-feira. Um dos managers, depois destas prévias explicações, diz-me "Isto hoje está muito calmo, não vai haver muito para fazer, mas ficas ali com o Keni - que mais tarde descobri que se escreve Queni e julgo que isso se explica por ser da Lituânia, ou pelo menos foi o que eu percebi - e vais fazendo o que ele faz". O Queni é uma jóia de rapaz, um tanto "professor" demais mas convenhamos que eu estava a precisar, e a coisa foi. Eu que estava habituada a um restaurante em que eu fazia tudo menos cozinhar, achei que aquilo era fácil: eu só tinha que tirar os pedidos das bebidas e da comida e colocar no computador. E ir tirando os pratos de tapas vazios e voltar a pôr a mesa quando os clientes saissem - e é um set básico, é só levar um prato para a mesa, que já tem os talheres e o guardanapo. Fácil, fácil.
Bom. Fácil, fácil não terá sido. Esqueci-me quase sempre de tirar os menus depois dos pedidos e de cada vez que voltava para o computador o Queni dizia: "perguntaste se queriam pão e azeitonas?". Eu dizia "merda" para dentro e fazia cara de quem tinha realmente dito e ele mandava-me de volta à mesa para a pergunta standard. Eles nunca queriam. Não sei se foi do timing.
De qualquer forma a tarefa não era difícil e era fisicamente leve já que a única coisa que levamos são os pratos vazios e como são tapas vai-se levando um aqui, outro ali e no fim não há uma quantidade enorme para levantar. Quanto ao "estar calmo", achei o restaurante cheio já que todas as mesas estavam ocupadas. Mas isso foi porque ainda não tinha ido sábado.
Ora sábado ia com ar de quem já a sabia toda. "Desde que me coloquem nas mesmas mesas, está tudo bem". Sabia que ia ter que olhar para o mapa das mesas uma média de 45 vezes em cinco horas mas tudo bem. E fui repetindo para mim mesma "Deixem-me então levar os menus", "Gostariam que trouxesse pão e azeitonas?". Mas eis que o meu mundo sofre uma reviravolta.
"Hoje estás nas bebidas", é a primeira coisa que oiço quando entro. Pergunto-me o que isso quererá dizer. Queria dizer que tinha que estar junto ao bar e ir levando todas as bebidas que iam sendo pedidas - o restaurante é todo informatizado e quando os pedidos são postos no sistema o pessoal do bar recebe um papelinho que surge de forma mágica de uma maquineta.
Muito skill de tabuleiro necessário - eu sou uma nódoa na arte do equilibrismo mas já tenho alguma prática (e ainda sou uma nódoa, imaginem se não tivesse). Ok, I can do it. Saber onde ficavam o raio das mesas foi o exercício mental mais puxado que fiz durante 5 horas seguidas nos últimos anos, a sério que foi. Acabei com uma dor de cabeça surpreendente. Mas o pior não foi isso.
O pior, amigos, foi algo embaraçoso. Eu sou jovem, saudável, tenho (tinha) amigos. Estive por duas fases diferentes na universidade. Não tenho crenças religiosas ou morais que me impeçam de consumir alcool. No entanto, eu mal sabia abrir uma garrafa de vinho - com rolha. No Reino Unido as garrafas são todas com tampa de desenroscar e eu passava a vida com a lengalenga que Portugal é o maior produtor de rolhas do mundo e blá blá blá. E como aquelas tampas eram uma vergonha. Pois toma lá que te lixas. Acabas num restaurante espanhol e já não há cá abertura fácil. É para ver se aprendes a estar calada. A cena que se passou ontem foi realmente embaraçosa:
- "Bom, com o vinho já sabes, os nossos tintos da casa são estes, os brancos são estes. Deves abrir o vinho na mesa e colocar um pouco em cada copo para os clientes provarem primeiro. Está aqui o teu saca-rolhas."
- "Eu tenho que confessar que não tenho muita prática a abrir garrafas"
- "Ah, eu mostro-te"
Segue-se demonstração e eu a pensar "piece of cake". "Agora tenta lá". Toda a minha graciosidade, elegância e equilíbrio ali a convergir para uma única tarefa. Não sei se captaram a ironia.
Três pessoas diferentes vieram dar-me as suas dicas pessoais: rodas o saca-rolhas, não a garrafa, dobra a perna que ajuda, puxa pela ponta do cabo e não pelo meio. Eu absorvi aquilo tudo, benzi-me e esperei que os clientes estivessem concentrados demais nas suas conversas para repararem na ginástica que eu estava a fazer para abrir as garrafas.
Nada que um "aiii sabe que hoje é o meu primeiro dia" não resolva. E desta vez era mesmo verdade.
Quinta-feira há mais. Muchas gracias.

P.S. Todos os rapazes que trabalham neste restaurante são giros. O sistema das gorjetas é uma roubalheira e praticamente não as recebemos. Mas os rapazes são giros 'pa caraças. Valha-nos isso.

4 comentários:

Ale disse...

ah ah ah muuuito bom! espero que tanto restaurante espanhol n t impeça de querer ir comer tapas cmg quando vieres a bcn!

Silly Little Wabbit disse...

Eras a minha heroína se usasses este método em frente aos clientes.
http://www.youtube.com/watch?v=ZuGfjtBffiE

i disse...

Classy! sp era diferente hehe aprovo!

Fátima disse...

admiro pessoas que conseguem serpentear entre mesas de restaurantes à pinha, a sério que admiro! eu acho que me fartava de cair...