A gargalhada do dia:
"A tinta do Metro também cheira bem!". Muito bom.
domingo, 31 de agosto de 2008
Telefonemas
"Temos que ir embora". Os telefones servem para soltar estas angústias.
Vamos fazer planos, vamos marcar datas no calendário, por favor - peço em jeito queixinhas da vida. Ele diz que vamos, com certeza. Mas nunca chegamos a um consenso. O mundo é grande demais para os projectos desmedidos. Somos desorganizados, sem metodologia, sem rumo. Somos anti-rumo. Anti-pó.
O mapa aberto leva dedadas consecutivas. Vá lá, ajuda-me a escolher. Espanha, França, Inglaterra, Escócia, Irlanda, Estados Unidos, sim, Austrália.Tantos outros, porque não?
As conversas acabam num suspiro, aquele grito abafado. Seguem-se os discursos revoltados, as frases amargas de velho que desperdiçou a vida a vê-la passar.
Trinca a língua com força, faz um sorriso. É tudo nosso. Pensa já na mala, a mala é o primeiro passo. Depois ensaia uma língua, paga um curso, lê uns livros, pesquisa na internet.
Pensa no que te faz falta. Está onde?
Quando encontrar, vens comigo?
Vamos fazer planos, vamos marcar datas no calendário, por favor - peço em jeito queixinhas da vida. Ele diz que vamos, com certeza. Mas nunca chegamos a um consenso. O mundo é grande demais para os projectos desmedidos. Somos desorganizados, sem metodologia, sem rumo. Somos anti-rumo. Anti-pó.
O mapa aberto leva dedadas consecutivas. Vá lá, ajuda-me a escolher. Espanha, França, Inglaterra, Escócia, Irlanda, Estados Unidos, sim, Austrália.Tantos outros, porque não?
As conversas acabam num suspiro, aquele grito abafado. Seguem-se os discursos revoltados, as frases amargas de velho que desperdiçou a vida a vê-la passar.
Trinca a língua com força, faz um sorriso. É tudo nosso. Pensa já na mala, a mala é o primeiro passo. Depois ensaia uma língua, paga um curso, lê uns livros, pesquisa na internet.
Pensa no que te faz falta. Está onde?
Quando encontrar, vens comigo?
terça-feira, 26 de agosto de 2008
Cafés alheios
Quando numa redacção cafezeira, um dos chefes supremos dá o ar da sua graça, dirige-se à abençoada máquina e pergunta “Alguém quer um café?”, o que é que espera ouvir? Todos respondem “Não, não, obrigado”, ele olha em volta mais uma vez, com um ar cândido e moedas na mão: “Ninguém? De certeza?”. O momento transborda ironia. Impensável seria alguém dizer “Sim, já agora. Um capuccino com açúcar extra, se faz favor”.
Impensável mas divertido.
Impensável mas divertido.
Good blogs - teremos hipótese?
"Good blogs have a voice. Who wrote this? What is their name? What can I figure out about who they are that they have never overtly told me? What’s their personality like and what do they have to contribute — even when it’s “just” curation. What tics and foibles fascinate make me about this blog and the person who makes it? Most importantly: what obsesses this person?"
Este é o primeiro ponto de uma lista de nove factores que Merlin Mann considera que fazem um Blog interessante. Para ler as outras oito (giras, giras...) é só clicar aqui: http://www.43folders.com/2008/08/19/good-blogs
Este é o primeiro ponto de uma lista de nove factores que Merlin Mann considera que fazem um Blog interessante. Para ler as outras oito (giras, giras...) é só clicar aqui: http://www.43folders.com/2008/08/19/good-blogs
segunda-feira, 25 de agosto de 2008
“Pelas conversas que tenho tido em Moscovo e pelo que ouço na rádio e televisão russos, o Kremlin deverá reconhecer a independência da Ossétia do Sul e da Abkházia nas próximas horas ou dias.”
A minha atenção é automaticamente desviada do assunto central e dou por mim a imaginar o José Milhazes a conversar “descontraidamente” em russo, num qualquer café de Moscovo, sobre a independência da Ossétia do Sul.
A ideia de uma conversa de café descontraída em russo sobre a guerra é tão bizarra que chega a ser divertida. Bom, isso e o José Milhazes.
A minha atenção é automaticamente desviada do assunto central e dou por mim a imaginar o José Milhazes a conversar “descontraidamente” em russo, num qualquer café de Moscovo, sobre a independência da Ossétia do Sul.
A ideia de uma conversa de café descontraída em russo sobre a guerra é tão bizarra que chega a ser divertida. Bom, isso e o José Milhazes.
sábado, 23 de agosto de 2008
Poema em linha recta
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um acto ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e erróneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um acto ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e erróneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
Álvaro de Campos (meu querido)
Se no mundo não existissem optimistas (essas pessoas por quem estou permanentemente apaixonada) tudo isto estancaria. Mas não tenho dúvidas que sem os cínicos, sem os descrentes, sem os hipócritas, muitos erros passariam impunes.
Por isso, deixem-me dizer mal da Margarida Rebelo Pinto, mesmo que "ponha as pessoas a ler" e seja "muito boa pessoa". Deixem-me "ser snob" e dizer que as novelas da TVI me causam asco, sendo os Morangos com Açúcar uma categoria à parte, classificada (por mim, claro...) como o programa mais medíocre e imbecil que por aí se oferece às jovens mentes.
Pronto, já está.
Por isso, deixem-me dizer mal da Margarida Rebelo Pinto, mesmo que "ponha as pessoas a ler" e seja "muito boa pessoa". Deixem-me "ser snob" e dizer que as novelas da TVI me causam asco, sendo os Morangos com Açúcar uma categoria à parte, classificada (por mim, claro...) como o programa mais medíocre e imbecil que por aí se oferece às jovens mentes.
Pronto, já está.
sexta-feira, 22 de agosto de 2008
quinta-feira, 21 de agosto de 2008
“Não gosto nada de chineses, nem um bocadinho”. Começo logo a ripostar: “Como é que pode dizer que não gosta de uma nacionalidade inteira, que engloba milhões de pessoas? Não gosta delas todas?”. “Não gosto, só a vozinha deles me irrita”.
Irritada fico eu com estas coisas. Até gosto da senhora e por isso fui-me embora a morder a língua. Estamos a fechar o jornal, não se arranjem confusões.
Mas a verdade é que cada vez que alguém diz destas coisas eu – que tanta fé tenho na Humanidade – acredito um bocadinho menos no futuro, na Paz, e no entendimento entre os povos.
Irritada fico eu com estas coisas. Até gosto da senhora e por isso fui-me embora a morder a língua. Estamos a fechar o jornal, não se arranjem confusões.
Mas a verdade é que cada vez que alguém diz destas coisas eu – que tanta fé tenho na Humanidade – acredito um bocadinho menos no futuro, na Paz, e no entendimento entre os povos.
As casas de férias dos outros
Nunca percebi essa coisa do amor à terrinha. Tenho a certeza que o problema é meu, porque praticamente toda gente tem um carinho especial por um lugar. Não sei se é do facto de não ter “terra” ou de nunca ter ido passar férias ao mesmo sítio, mas a verdade é o conceito me ultrapassa.
Aliás, a ideia de passar férias, ano após ano, no mesmo local provoca-me um monumental bocejo. Qual é que pode ser o interesse disso? Concedendo a excepção às pessoas que vivem noutro país e regressam em visita, não vejo a quem mais possa interessar. Para mim férias (fora de casa) tem que equivaler a novo, a descoberta. Voltar todos os anos para o mesmo, frequentar os mesmos locais, ver as mesmas pessoas… ná! Investir balúrdios numa casa de férias, ao preço que está o low cost parece-me mesmo disparatado. Mesmo em Portugal, há tantos sítios giros para se ir ver.
Não me levem a mal os amantes da “terrinha”. Digo isto sem maldade, tenho noção que essa coisa do “meu cantinho” é um sentimento verdadeiro e forte e que se eu não o tenho, provavelmente até estou a perder com isso.
Gosto de traçar percursos novos, com mapa na mão, fazer pesquisas de preços na internet, buscar. Uma vez ou outra gosto de repetir o local, mas porque ficou alguma coisa por ver, por fazer, por experimentar.
Casas de férias, as que eu gosto mesmo, são as dos outros.
Aliás, a ideia de passar férias, ano após ano, no mesmo local provoca-me um monumental bocejo. Qual é que pode ser o interesse disso? Concedendo a excepção às pessoas que vivem noutro país e regressam em visita, não vejo a quem mais possa interessar. Para mim férias (fora de casa) tem que equivaler a novo, a descoberta. Voltar todos os anos para o mesmo, frequentar os mesmos locais, ver as mesmas pessoas… ná! Investir balúrdios numa casa de férias, ao preço que está o low cost parece-me mesmo disparatado. Mesmo em Portugal, há tantos sítios giros para se ir ver.
Não me levem a mal os amantes da “terrinha”. Digo isto sem maldade, tenho noção que essa coisa do “meu cantinho” é um sentimento verdadeiro e forte e que se eu não o tenho, provavelmente até estou a perder com isso.
Gosto de traçar percursos novos, com mapa na mão, fazer pesquisas de preços na internet, buscar. Uma vez ou outra gosto de repetir o local, mas porque ficou alguma coisa por ver, por fazer, por experimentar.
Casas de férias, as que eu gosto mesmo, são as dos outros.
Às vezes lembro-me deste ou daquele amigo, e de como é fácil tornarmo-nos estranhos de quem antes abraçávamos.
As histórias permanecem, e permanece um carinho imenso por aqueles dias prazenteiros, divertidos e cúmplices. Por vezes um filme, um anúncio, um restaurante, um livro, uma notícia, e surge o alerta “Pessoa X havia de gostar de saber disto”. Ás vezes manda-se um e-mail, uma mensagem, outras não. Parece forçado.
Sempre tive inveja de quem mantém amizades longínquas fortes. Deixo-as apagar. Não consigo manter-lhes o brilho. Mas ficam as saudades, verdadeiras, sinceras. Mas não consigo telefonar, fico sem nada para dizer. Os e-mails que eram tão longos são cada vez mais curtos. Ganha-se uma certa cerimónia, uma distância.
Fica uma nostalgia misturada com o medo de nada voltar a ser igual. Suspiro.
As histórias permanecem, e permanece um carinho imenso por aqueles dias prazenteiros, divertidos e cúmplices. Por vezes um filme, um anúncio, um restaurante, um livro, uma notícia, e surge o alerta “Pessoa X havia de gostar de saber disto”. Ás vezes manda-se um e-mail, uma mensagem, outras não. Parece forçado.
Sempre tive inveja de quem mantém amizades longínquas fortes. Deixo-as apagar. Não consigo manter-lhes o brilho. Mas ficam as saudades, verdadeiras, sinceras. Mas não consigo telefonar, fico sem nada para dizer. Os e-mails que eram tão longos são cada vez mais curtos. Ganha-se uma certa cerimónia, uma distância.
Fica uma nostalgia misturada com o medo de nada voltar a ser igual. Suspiro.
quarta-feira, 20 de agosto de 2008
A nacionalidade dos mortos
Sempre senti uma repulsa enorme pela obsessão mediática e social na busca pelos portugueses sempre que se dá alguma tragédia overseas.
O fenómeno já foi estudado e está legitimado. Aprendemo-lo na faculdade. Proximidade, dizem, faz parte dos valores notícia. Mas eu digo que há excepções para essa regra.
Perante o cenário aterrorizante do tsunami, metade da cobertura dedicou-se a colocar hipóteses rebuscadas sobre um português que talvez tenha ido lá passar férias.
A história repete-se sempre. Mais uma vez, agora com o acidente em Madrid, pelo menos cem mortos e já oiço o burburinho “De certeza que há portugueses”. Se as pessoas em questão tivessem familiares ou amigos a viajar para as Canárias, aí eu percebia. Agora assim… Parece que tudo respira de alívio quando não há portugueses.
Acho desprezível, miserável mesmo. Ora então, a morte de mil indonésios ou 90 espanhóis pouca mossa faz, o que importa é o compatriota desconhecido. Portanto, a vida humana tem mais ou menos valor consoante a nacionalidade das vítimas. Sinto mais a morte de alguém porque mora no mesmo país que eu? Que raio de lógica é essa?
O fenómeno já foi estudado e está legitimado. Aprendemo-lo na faculdade. Proximidade, dizem, faz parte dos valores notícia. Mas eu digo que há excepções para essa regra.
Perante o cenário aterrorizante do tsunami, metade da cobertura dedicou-se a colocar hipóteses rebuscadas sobre um português que talvez tenha ido lá passar férias.
A história repete-se sempre. Mais uma vez, agora com o acidente em Madrid, pelo menos cem mortos e já oiço o burburinho “De certeza que há portugueses”. Se as pessoas em questão tivessem familiares ou amigos a viajar para as Canárias, aí eu percebia. Agora assim… Parece que tudo respira de alívio quando não há portugueses.
Acho desprezível, miserável mesmo. Ora então, a morte de mil indonésios ou 90 espanhóis pouca mossa faz, o que importa é o compatriota desconhecido. Portanto, a vida humana tem mais ou menos valor consoante a nacionalidade das vítimas. Sinto mais a morte de alguém porque mora no mesmo país que eu? Que raio de lógica é essa?
terça-feira, 19 de agosto de 2008
Pedro Mexia
Sempre achei o Pedro Mexia uma pessoa estranha.
Lembro-me de o ver num debate de "É a cultura, estúpido!", no S. Luiz, no Eixo do Mal, aqui e ali nos jornais, lançamentos de livros, discussões filosóficas. Nunca percebi qual era, de facto, a sua profissão. Para mim era um intelectual profissional. Um luxo, sempre pensei, já que se dedicava ao que gostava, ganhava assim a vida, coisa difícil para quem não se debruça em temas que agradam às massas.
Depois passei pelo Público. Quando me mudei para o terceiro andar passei a vê-lo praticamente todos os dias, lá no cantinho do Ípsilon. Dava por mim a espreitá-lo, como uma relíquia, uma celebridade. Um dia cheguei mesmo a levantar-me uns dois palmos do assento, com as mãos apoiadas nos braços da cadeira. Fiquei assim suspensa uns segundos a observá-lo. Ele era tão estranho.
Depois veio o blog, que comecei a ler com mais frequência. Saltava vários posts dedicados a cineastas e escritores com nomes complicados e desconhecidos. Havia ainda muitos sobre mulheres bonitas. E depois os outros, com uma piada enigmática interessante.
O homem interessava-me, quase como uma espécie rara. Vê-lo ali na cadeira, a escrever... Era estranho no seu aspecto nem novo nem velho, gordito, pouco cabelo, mas inesperadamente loiro. Tinha um ar de rato de biblioteca sarcástico. Um anti-social extremamente divertido. Perversamente inteligente. Prepotentemente culto. Adoravelmente desajeitado.
Era estranho.
E por fim chegou o livro de crónicas, como prenda de anos. Um livro de crónicas é muitíssimo perigoso. Se por ler uma crónica semanal, já me sinto próxima do autor, ler um livro inteiro de crónicas dá-me a ilusão de lhe conhecer a alma. É praticamente família. Claro que nem todas as crónicas têm esta capacidade; as crónicas da Teresa de Sousa dizem-me tanto sobre ela como sobre o porquinho-da-índia do meu vizinho de cima. Mas as do Pedro Mexia são um verdadeiro travar de amizade: ele fala dos vizinhos, dos amigos, dos cafés, dos cinemas, dos serões solitários, do seu peso, das namoradas, dos vícios. É como se fosse amigo de longa data, daqueles que já nem sabemos bem porque é que somos amigos. Rolo os olhos com o desfiar de autores alemães ou franceses, as citações estilo "se você nunca ouviu isto é porque deve ser uma abécula cultural". Mas depois... ele gosta de água tónica e quando era adolescente ia à Feira Popular. As tiradas hilariantes, o humor impecável, certeiro. A honestidade quase cruel como se desenha a si próprio. Afinal, não é assim tão snob. O homem gosta dos seus livros, deixem-no estar.
Continuo a achá-lo estranho. Mas sabem como é: primeiro estranha-se, depois entranha-se.
Lembro-me de o ver num debate de "É a cultura, estúpido!", no S. Luiz, no Eixo do Mal, aqui e ali nos jornais, lançamentos de livros, discussões filosóficas. Nunca percebi qual era, de facto, a sua profissão. Para mim era um intelectual profissional. Um luxo, sempre pensei, já que se dedicava ao que gostava, ganhava assim a vida, coisa difícil para quem não se debruça em temas que agradam às massas.
Depois passei pelo Público. Quando me mudei para o terceiro andar passei a vê-lo praticamente todos os dias, lá no cantinho do Ípsilon. Dava por mim a espreitá-lo, como uma relíquia, uma celebridade. Um dia cheguei mesmo a levantar-me uns dois palmos do assento, com as mãos apoiadas nos braços da cadeira. Fiquei assim suspensa uns segundos a observá-lo. Ele era tão estranho.
Depois veio o blog, que comecei a ler com mais frequência. Saltava vários posts dedicados a cineastas e escritores com nomes complicados e desconhecidos. Havia ainda muitos sobre mulheres bonitas. E depois os outros, com uma piada enigmática interessante.
O homem interessava-me, quase como uma espécie rara. Vê-lo ali na cadeira, a escrever... Era estranho no seu aspecto nem novo nem velho, gordito, pouco cabelo, mas inesperadamente loiro. Tinha um ar de rato de biblioteca sarcástico. Um anti-social extremamente divertido. Perversamente inteligente. Prepotentemente culto. Adoravelmente desajeitado.
Era estranho.
E por fim chegou o livro de crónicas, como prenda de anos. Um livro de crónicas é muitíssimo perigoso. Se por ler uma crónica semanal, já me sinto próxima do autor, ler um livro inteiro de crónicas dá-me a ilusão de lhe conhecer a alma. É praticamente família. Claro que nem todas as crónicas têm esta capacidade; as crónicas da Teresa de Sousa dizem-me tanto sobre ela como sobre o porquinho-da-índia do meu vizinho de cima. Mas as do Pedro Mexia são um verdadeiro travar de amizade: ele fala dos vizinhos, dos amigos, dos cafés, dos cinemas, dos serões solitários, do seu peso, das namoradas, dos vícios. É como se fosse amigo de longa data, daqueles que já nem sabemos bem porque é que somos amigos. Rolo os olhos com o desfiar de autores alemães ou franceses, as citações estilo "se você nunca ouviu isto é porque deve ser uma abécula cultural". Mas depois... ele gosta de água tónica e quando era adolescente ia à Feira Popular. As tiradas hilariantes, o humor impecável, certeiro. A honestidade quase cruel como se desenha a si próprio. Afinal, não é assim tão snob. O homem gosta dos seus livros, deixem-no estar.
Continuo a achá-lo estranho. Mas sabem como é: primeiro estranha-se, depois entranha-se.
Calma nos Blastos
Ontem compreendi uma coisa muito importante sobre a humanidade.
Descobri que um rapaz que eu "conheço" tem leucemia. Nunca tinha conhecido ninguém com leucemia. Na verdade não o conheço, vi-o uma ou duas vezes, mas é amigo de vários amigos meus, namorado de uma amiga minha. Enfim, a coisa torna-se pessoal. A sério, torna-se mesmo pessoal.
Foi assim que eu percebi que a solidariedade é uma coisa quase visceral. Sempre, sempre quis dar sangue. Juro que a boa vontade esteve sempre lá. Mas sempre que me punha na fila dos bancos de sangue começava a ficar mal disposta, cheia de calafrios, só a ideia arrepiava-me da cabeça aos pés. A agulha, aquilo tudo. Sou uma maricas da pior espécie.
Acabei por nunca dar e acho mesmo que é uma falha grave de carácter não o fazer, por isso sempre foi algo que me pesou na consciência.
Mas quando soube desta história, alguma coisa fez click sem eu mandar. Quando a Margarida disse "Vou fazer o teste para ser dadora de medula. Queres vir?", juro que nem pensei duas vezes: "Claro!". Foi só no dia seguinte que me lembrei dessa coisa do "medo das agulhas". Pareceu-me a coisa mais ridícula do mundo. Afinal, o rapaz (que tinha uma cara, de quem eu sabia coisas, que era uma pessoa assim com contornos próximos) estava ali a lutar contra a leucemia, a fazer quimioterapia agressiva, como é que eu podia não tentar, de alguma forma, ajudar?
É um pouco injusto que assim seja, porque haverá milhares de pessoas no país a precisar de tranfusões de sangue, e eu não contribuo porque sou mariquinhas. É irracional. Nuns casos é uma acção "simpática", noutros é obrigatória.
A minha acção obrigatória chama-se Pedro: http://www.calmanosblastos.blogspot.com/
Descobri que um rapaz que eu "conheço" tem leucemia. Nunca tinha conhecido ninguém com leucemia. Na verdade não o conheço, vi-o uma ou duas vezes, mas é amigo de vários amigos meus, namorado de uma amiga minha. Enfim, a coisa torna-se pessoal. A sério, torna-se mesmo pessoal.
Foi assim que eu percebi que a solidariedade é uma coisa quase visceral. Sempre, sempre quis dar sangue. Juro que a boa vontade esteve sempre lá. Mas sempre que me punha na fila dos bancos de sangue começava a ficar mal disposta, cheia de calafrios, só a ideia arrepiava-me da cabeça aos pés. A agulha, aquilo tudo. Sou uma maricas da pior espécie.
Acabei por nunca dar e acho mesmo que é uma falha grave de carácter não o fazer, por isso sempre foi algo que me pesou na consciência.
Mas quando soube desta história, alguma coisa fez click sem eu mandar. Quando a Margarida disse "Vou fazer o teste para ser dadora de medula. Queres vir?", juro que nem pensei duas vezes: "Claro!". Foi só no dia seguinte que me lembrei dessa coisa do "medo das agulhas". Pareceu-me a coisa mais ridícula do mundo. Afinal, o rapaz (que tinha uma cara, de quem eu sabia coisas, que era uma pessoa assim com contornos próximos) estava ali a lutar contra a leucemia, a fazer quimioterapia agressiva, como é que eu podia não tentar, de alguma forma, ajudar?
É um pouco injusto que assim seja, porque haverá milhares de pessoas no país a precisar de tranfusões de sangue, e eu não contribuo porque sou mariquinhas. É irracional. Nuns casos é uma acção "simpática", noutros é obrigatória.
A minha acção obrigatória chama-se Pedro: http://www.calmanosblastos.blogspot.com/
segunda-feira, 11 de agosto de 2008
Tea with the Queen
O Bordado Inglês (http://blogs.publico.clix.pt/bordadoingles/ ) dá-me sempre borboletas na barriga. Porque a verdade é que o que eu queria mesmo era viver “na ilha”.
Claro que não é boa ideia. Espanha é mais perto, mais barato, bons mestrados, pós graduações, oportunidades de trabalho. Em França paga-se como se pode, mesmo na cidade das luzes. É um paraíso intelectual. Mas a verdade é que sempre que espreito o Bordado Inglês reforço a aquela vontade profunda de estudar em Londres.
Os preços são impossíveis. Os mestrados são mais que caros e viver lá arrasa qualquer um. Sejamos realistas, não vale a pena. Mas aquelas universidades centenárias… aqueles programas curriculares de sonho, aqueles jornais onde que adorava trabalhar, até a televisão… E há as ruas e a neve, a rainha e o Big Ben. E o chá (com leite ou sem). O multiculturalismo, os museus, os casacos e as luvas. Os espectáculos, os pubs, os jardins, e os cafés “to go”. Novamente, a neve. Na cidade, debaixo dos pés.
Não, eu nunca fui a Inglaterra. Mas era para lá que gostava de me mudar.
Claro que não é boa ideia. Espanha é mais perto, mais barato, bons mestrados, pós graduações, oportunidades de trabalho. Em França paga-se como se pode, mesmo na cidade das luzes. É um paraíso intelectual. Mas a verdade é que sempre que espreito o Bordado Inglês reforço a aquela vontade profunda de estudar em Londres.
Os preços são impossíveis. Os mestrados são mais que caros e viver lá arrasa qualquer um. Sejamos realistas, não vale a pena. Mas aquelas universidades centenárias… aqueles programas curriculares de sonho, aqueles jornais onde que adorava trabalhar, até a televisão… E há as ruas e a neve, a rainha e o Big Ben. E o chá (com leite ou sem). O multiculturalismo, os museus, os casacos e as luvas. Os espectáculos, os pubs, os jardins, e os cafés “to go”. Novamente, a neve. Na cidade, debaixo dos pés.
Não, eu nunca fui a Inglaterra. Mas era para lá que gostava de me mudar.
sexta-feira, 8 de agosto de 2008
Afinal a tuba também também é sexy
Olha a banda filarmónica,
a tocar na minha rua.
Vai na banda o meu amor
a soprar na sua tuba.
Ele já tocou trombone,
clarinete e ferrinhos,
só lhe falta o meu nome
suspirado aos meus ouvidos.
Toda a gente - fon-fon-fon fon-
só desdizem o que eu digo:
“...Que a tuba - fon-fon-fon fon - tem tão pouco romantismo...”
Mas ele toca - fon-fon-fon fon-
e cá dentro soam sinos!
No meu peito - fon-fon-fon fon -
a tuba é que me dá ritmo.
Mas ele só toca a tuba
e quando a tuba não toca,
dizem que ele continua;
que em vez de beijar, ele sopra...
Toda a gente - fon-fon-fon fon -
só desdizem o que eu digo:
“... Que a tuba - fon-fon-fon fon - tem tão pouco romantismo...”
Mas ele toca - fon-fon-fon -
e é a fanfarra que eu sigo.
Se o amor é fon fon fon fon
que se lixe o romantismo!
a tocar na minha rua.
Vai na banda o meu amor
a soprar na sua tuba.
Ele já tocou trombone,
clarinete e ferrinhos,
só lhe falta o meu nome
suspirado aos meus ouvidos.
Toda a gente - fon-fon-fon fon-
só desdizem o que eu digo:
“...Que a tuba - fon-fon-fon fon - tem tão pouco romantismo...”
Mas ele toca - fon-fon-fon fon-
e cá dentro soam sinos!
No meu peito - fon-fon-fon fon -
a tuba é que me dá ritmo.
Mas ele só toca a tuba
e quando a tuba não toca,
dizem que ele continua;
que em vez de beijar, ele sopra...
Toda a gente - fon-fon-fon fon -
só desdizem o que eu digo:
“... Que a tuba - fon-fon-fon fon - tem tão pouco romantismo...”
Mas ele toca - fon-fon-fon -
e é a fanfarra que eu sigo.
Se o amor é fon fon fon fon
que se lixe o romantismo!
Agora os anónimos vão dizer que o meu namorado toca tuba!
quarta-feira, 6 de agosto de 2008
Transportes públicos
Eu e os transportes públicos somos amigos íntimos. Não tão íntimos que corte as unhas no comboio, mas íntimos o suficiente para serem o único lugar onde escrevo longos romances mentais, de cabeça encostada no vidro. É neles que leio a maioria dos livros, revistas e jornais, e é neles que imagino guiões de filmes com a banda sonora do mp3.
São longas as dissertações nos transportes. Convidam-me sempre a pensar.
Conheço-lhes os truques. Gosto deles, na generalidade. Apesar dos momentos de desespero quando se perde um comboio por 30 segundos, quando o autocarro não chega à hora prevista ou quando a mudança de linha de metro tem humores (às vezes vamos muito bem, do Saldanha ao Marquês, do Marquês à Baixa, num instantinho, e depois amua e aí esperamos 20 minutos para fazer uma paragem).
Mas como acontece com tudo o que nos é próximo, começamos a ganhar irritações de estimação. Já nem falo dos loucos, são um facto adquirido. Todo o utente de transportes públicos já foi abordado por pessoas desequilibradas. Geralmente são momentos estranhos, mas cómicos (depois de ultrapassado o choque inicial). As histórias que podia agora contar...
Mas não são os loucos. Irritantes são aquelas pessoas que mal ouvem "Próxima paragem: Cais do Sodré" se levantam logo, apesar de demorar uns bons dois minutos até as portas abrirem. Acho ridículo que o façam, mas o problema nem é esse. É quando eu estou do lado de fora do banco e portanto tenho que me levantar para acalmar a sua aflição. Agarram apressadamente nos seus pertences e começam a olhar, a fazer movimentos insinuantes. Quando não estou nos meus dias deixo-me estar até que se levantem de vez ou peçam para sair.
Outra irritação de estimação são pessoas que levam música sem phones e nos obrigam a ouvir aquilo. Também há os que falar altíssimo ao telefone durante toda a viagem, impedindo qualquer tentativa de leitura. E claro, os rancorsos-do-restelo, que gritam impropérios quando aparecem aqueles senhores que tocam acordeão e cantam por umas moedinhas. Aí vêm todos os comentários xenófobos que me tiram do sério.
Como vêem, eu e os transportes somos assim: unha com carne.
P.S. Devido à enchente de comentários anónimos, vi-me obrigada a moderar os comentários para não baixar o nível do blog. Não obstante, prometo ser pouco rígida, podem comentar à vontade!
São longas as dissertações nos transportes. Convidam-me sempre a pensar.
Conheço-lhes os truques. Gosto deles, na generalidade. Apesar dos momentos de desespero quando se perde um comboio por 30 segundos, quando o autocarro não chega à hora prevista ou quando a mudança de linha de metro tem humores (às vezes vamos muito bem, do Saldanha ao Marquês, do Marquês à Baixa, num instantinho, e depois amua e aí esperamos 20 minutos para fazer uma paragem).
Mas como acontece com tudo o que nos é próximo, começamos a ganhar irritações de estimação. Já nem falo dos loucos, são um facto adquirido. Todo o utente de transportes públicos já foi abordado por pessoas desequilibradas. Geralmente são momentos estranhos, mas cómicos (depois de ultrapassado o choque inicial). As histórias que podia agora contar...
Mas não são os loucos. Irritantes são aquelas pessoas que mal ouvem "Próxima paragem: Cais do Sodré" se levantam logo, apesar de demorar uns bons dois minutos até as portas abrirem. Acho ridículo que o façam, mas o problema nem é esse. É quando eu estou do lado de fora do banco e portanto tenho que me levantar para acalmar a sua aflição. Agarram apressadamente nos seus pertences e começam a olhar, a fazer movimentos insinuantes. Quando não estou nos meus dias deixo-me estar até que se levantem de vez ou peçam para sair.
Outra irritação de estimação são pessoas que levam música sem phones e nos obrigam a ouvir aquilo. Também há os que falar altíssimo ao telefone durante toda a viagem, impedindo qualquer tentativa de leitura. E claro, os rancorsos-do-restelo, que gritam impropérios quando aparecem aqueles senhores que tocam acordeão e cantam por umas moedinhas. Aí vêm todos os comentários xenófobos que me tiram do sério.
Como vêem, eu e os transportes somos assim: unha com carne.
P.S. Devido à enchente de comentários anónimos, vi-me obrigada a moderar os comentários para não baixar o nível do blog. Não obstante, prometo ser pouco rígida, podem comentar à vontade!
Um espírito livre
A cada página que avanço no livro “O lado selvagem”, mais me intrigo com Chris McCandless. Creio que muitos lerão este livro e dirão que era um rapaz egoísta.
Desapareceu sem rasto da vida dos pais dedicados, com quem discutia frequentemente sempre que lhe davam recomendações.
McCandless queria testar os seus limites. Parece-me que não se importava muito com as consequências das suas aventuras. Mesmo que o preço fosse a morte. Não perdoava faltas de carácter, desonestidade. Censurava fortemente o comodismo.
Por isso quando os seus pais lhe disseram que deveria ter mais cuidado nas suas próximas férias sozinho pelo país, das quais voltara 15 quilos mais magro, irritou-se.
Chris não era mimado, era obstinadamente independente. Um espírito livre. Procurava a essência da vida nos desafios. Era exagerado na sua rectidão. Não admitia fraquezas de espírito.
A universidade, a casa, o bairro onde vivia. Tudo isso o oprimia. Queria viver da forma mais crua possível, sentir o mundo na pele. Obsessivamente. Por isso quando partiu na sua aventura não disse nada a ninguém, não quis ser encontrado.
É impossível não pensar na família que sofria de preocupação. Por outro lado, toda a gente já se sentiu sufocado com a obrigação de viver em função dos sentimentos dos outros. Chris sabia que os seus pais nunca entenderiam a sua sede pelo inóspito, pelo gelo do Alasca, a incerteza de ter o que comer no dia seguinte, a vida nómada, o encontro com o desconhecido, o não ter raízes. Poucos entenderiam, mas era a sua escolha, era a sua felicidade.
Fico na dúvida se o devo censurar ou não. Afinal, tivesse seguido a vida que os pais queriam para ele, teria sido eternamente infeliz. Só podia estar bem no extremo, isso fazia-o sentir vivo.
Coloca-se a questão: até que ponto devemos comprometer a nossa felicidade pelo bem-estar dos outros?
Desapareceu sem rasto da vida dos pais dedicados, com quem discutia frequentemente sempre que lhe davam recomendações.
McCandless queria testar os seus limites. Parece-me que não se importava muito com as consequências das suas aventuras. Mesmo que o preço fosse a morte. Não perdoava faltas de carácter, desonestidade. Censurava fortemente o comodismo.
Por isso quando os seus pais lhe disseram que deveria ter mais cuidado nas suas próximas férias sozinho pelo país, das quais voltara 15 quilos mais magro, irritou-se.
Chris não era mimado, era obstinadamente independente. Um espírito livre. Procurava a essência da vida nos desafios. Era exagerado na sua rectidão. Não admitia fraquezas de espírito.
A universidade, a casa, o bairro onde vivia. Tudo isso o oprimia. Queria viver da forma mais crua possível, sentir o mundo na pele. Obsessivamente. Por isso quando partiu na sua aventura não disse nada a ninguém, não quis ser encontrado.
É impossível não pensar na família que sofria de preocupação. Por outro lado, toda a gente já se sentiu sufocado com a obrigação de viver em função dos sentimentos dos outros. Chris sabia que os seus pais nunca entenderiam a sua sede pelo inóspito, pelo gelo do Alasca, a incerteza de ter o que comer no dia seguinte, a vida nómada, o encontro com o desconhecido, o não ter raízes. Poucos entenderiam, mas era a sua escolha, era a sua felicidade.
Fico na dúvida se o devo censurar ou não. Afinal, tivesse seguido a vida que os pais queriam para ele, teria sido eternamente infeliz. Só podia estar bem no extremo, isso fazia-o sentir vivo.
Coloca-se a questão: até que ponto devemos comprometer a nossa felicidade pelo bem-estar dos outros?
terça-feira, 5 de agosto de 2008
Quando crescer quero ser como ela
"O amor é como tudo o que nunca lemos, não acaba de acabar.
Queremos ler o «Ulisses», mas também queremos fazer o Transsiberiano, e ler toda a gente que fez o Transsiberiano, e quem não fez mas é russo ou chinês, já que lá vamos, e assim sendo talvez seja melhor ler o «Ulisses» quando formos a Dublin.
Mas valerá a pena ir a Dublin por causa do «Ulisses» sem ter lido a «Odisseia» traduzida por Frederico Lourenço?
E valerá a pena ler a «Odisseia» sem ter ido à Grécia?
E valerá a pena ir à Grécia sem ter lido a «Odisseia»?"
Queremos ler o «Ulisses», mas também queremos fazer o Transsiberiano, e ler toda a gente que fez o Transsiberiano, e quem não fez mas é russo ou chinês, já que lá vamos, e assim sendo talvez seja melhor ler o «Ulisses» quando formos a Dublin.
Mas valerá a pena ir a Dublin por causa do «Ulisses» sem ter lido a «Odisseia» traduzida por Frederico Lourenço?
E valerá a pena ler a «Odisseia» sem ter ido à Grécia?
E valerá a pena ir à Grécia sem ter lido a «Odisseia»?"
Alexandra Lucas Coelho, in Ípsilon Verão
segunda-feira, 4 de agosto de 2008
Sonhar as férias
Nas férias os is ficam sem pontos. Os amigos fazem malas e rumam para longe. Os dias de trabalho dos que ficam são molengões e sem pressas. As revistas enchem-se de reportagens sobre famílias, destinos exóticos ou livros aconselhados. As pessoas não se importam de fazer nada.
Eu vou sonhando com as próximas férias. Sem data no calendário. Mas dessas férias estilo “Atéondevaiscom1000euros” que marcam uma vida de mochila às costas. Que nos tornam cronistas de viagem, a finalmente dar uso ao Moleskine.
Nestas férias que não são férias, quase agradeço os transportes públicos, para viajar para “o lado selvagem” acompanhada pelo trepidar do comboio, que tanto inspira a evasões mentais. Suspiro pelos livros que ainda não li (mas vou ler!) e até pelo livro que um dia vou escrever. As músicas do mp3 parecem-se urbanas demais, políticas demais, socialmente carregadas (demais). Todas as pessoas envergam fatos de banho debaixo da roupa, num aviso que vão fazer algo “sério” mas só em part-time.
Suspiro pelas noites de verão sem horas e imagino como as ocupam os outros. Talvez junto a uma tenda, plantada à beira-rio, com fogueira e violas e tudo a que gostaríamos de ter direito. Ou percorrendo zonas animadas e ribeirinhas de países distantes/ próximos-graças-ao-low-cost. Noites sem despertador, em que confessamos segredos até de manhã, seguidas de dias de preguiça sem remorso.
Ou dias agendados, com mapas assinalados a cores fluorescentes, guias com cantos dobrados. Bilhetes de entradas no bolso, que depois guardamos por tempo indefinido até termos coragem de os deitar fora. Cansaço de satisfação. Cansaço que gostamos de ter.
No Verão, os pontos não têm is, os cês não têm cedilhas e os acentos correm tortos. Às vezes faltam vírgulas porque queremos dizer tudo seguido na mesma frase.
Suspiro.
Eu vou sonhando com as próximas férias. Sem data no calendário. Mas dessas férias estilo “Atéondevaiscom1000euros” que marcam uma vida de mochila às costas. Que nos tornam cronistas de viagem, a finalmente dar uso ao Moleskine.
Nestas férias que não são férias, quase agradeço os transportes públicos, para viajar para “o lado selvagem” acompanhada pelo trepidar do comboio, que tanto inspira a evasões mentais. Suspiro pelos livros que ainda não li (mas vou ler!) e até pelo livro que um dia vou escrever. As músicas do mp3 parecem-se urbanas demais, políticas demais, socialmente carregadas (demais). Todas as pessoas envergam fatos de banho debaixo da roupa, num aviso que vão fazer algo “sério” mas só em part-time.
Suspiro pelas noites de verão sem horas e imagino como as ocupam os outros. Talvez junto a uma tenda, plantada à beira-rio, com fogueira e violas e tudo a que gostaríamos de ter direito. Ou percorrendo zonas animadas e ribeirinhas de países distantes/ próximos-graças-ao-low-cost. Noites sem despertador, em que confessamos segredos até de manhã, seguidas de dias de preguiça sem remorso.
Ou dias agendados, com mapas assinalados a cores fluorescentes, guias com cantos dobrados. Bilhetes de entradas no bolso, que depois guardamos por tempo indefinido até termos coragem de os deitar fora. Cansaço de satisfação. Cansaço que gostamos de ter.
No Verão, os pontos não têm is, os cês não têm cedilhas e os acentos correm tortos. Às vezes faltam vírgulas porque queremos dizer tudo seguido na mesma frase.
Suspiro.
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