terça-feira, 19 de agosto de 2008

Pedro Mexia

Sempre achei o Pedro Mexia uma pessoa estranha.
Lembro-me de o ver num debate de "É a cultura, estúpido!", no S. Luiz, no Eixo do Mal, aqui e ali nos jornais, lançamentos de livros, discussões filosóficas. Nunca percebi qual era, de facto, a sua profissão. Para mim era um intelectual profissional. Um luxo, sempre pensei, já que se dedicava ao que gostava, ganhava assim a vida, coisa difícil para quem não se debruça em temas que agradam às massas.
Depois passei pelo Público. Quando me mudei para o terceiro andar passei a vê-lo praticamente todos os dias, lá no cantinho do Ípsilon. Dava por mim a espreitá-lo, como uma relíquia, uma celebridade. Um dia cheguei mesmo a levantar-me uns dois palmos do assento, com as mãos apoiadas nos braços da cadeira. Fiquei assim suspensa uns segundos a observá-lo. Ele era tão estranho.
Depois veio o blog, que comecei a ler com mais frequência. Saltava vários posts dedicados a cineastas e escritores com nomes complicados e desconhecidos. Havia ainda muitos sobre mulheres bonitas. E depois os outros, com uma piada enigmática interessante.
O homem interessava-me, quase como uma espécie rara. Vê-lo ali na cadeira, a escrever... Era estranho no seu aspecto nem novo nem velho, gordito, pouco cabelo, mas inesperadamente loiro. Tinha um ar de rato de biblioteca sarcástico. Um anti-social extremamente divertido. Perversamente inteligente. Prepotentemente culto. Adoravelmente desajeitado.
Era estranho.
E por fim chegou o livro de crónicas, como prenda de anos. Um livro de crónicas é muitíssimo perigoso. Se por ler uma crónica semanal, já me sinto próxima do autor, ler um livro inteiro de crónicas dá-me a ilusão de lhe conhecer a alma. É praticamente família. Claro que nem todas as crónicas têm esta capacidade; as crónicas da Teresa de Sousa dizem-me tanto sobre ela como sobre o porquinho-da-índia do meu vizinho de cima. Mas as do Pedro Mexia são um verdadeiro travar de amizade: ele fala dos vizinhos, dos amigos, dos cafés, dos cinemas, dos serões solitários, do seu peso, das namoradas, dos vícios. É como se fosse amigo de longa data, daqueles que já nem sabemos bem porque é que somos amigos. Rolo os olhos com o desfiar de autores alemães ou franceses, as citações estilo "se você nunca ouviu isto é porque deve ser uma abécula cultural". Mas depois... ele gosta de água tónica e quando era adolescente ia à Feira Popular. As tiradas hilariantes, o humor impecável, certeiro. A honestidade quase cruel como se desenha a si próprio. Afinal, não é assim tão snob. O homem gosta dos seus livros, deixem-no estar.
Continuo a achá-lo estranho. Mas sabem como é: primeiro estranha-se, depois entranha-se.

1 comentário:

Fátima disse...

oh. eu gostava de ser uma pessoa destas!