Warning: post muito longo
A semana passada pus-me a fazer malas. Esperavam-me 4 dias em Cardiff para a cerimónia da graduation, seguidos de outros 3 dias da conferencia INSP (International Network of Street Papers). O facto dos dois eventos se seguirem (sobreporem-se, já que a conferência começava na terça e eu tive que perder o primeiro dia) foi uma coincidência, uma daquelas que me faz duvidar da aleatoriedade das coisas. Não poderia ter tido uma melhor despedida do País de Gales, da Escócia, do Reino Unido!
Chegada a Cardiff pelas 3 da manhã, senti que nunca me tinha ido embora. Ao sair do autocarro os meus pés moveram-se de forma automática, sabendo exactamente onde ir. A partir daí seguiram-se dias que se colaram uns nos outros, noites mal dormidas - e não dormidas - uma infinidade de abraços e fotografias, gargalhadas de meia noite e conversa de inglês internacional.
Que bom estar em casa! Foi isso que senti. Foi isso que todos com quem falei me disseram. Que bom percorrer as ruas e ir relembrando pequenos episódios aqui e ali, dos mais banais aos mais memoráveis. Que bom, que bom, ver aquelas caras, ouvir aqueles sotaques, saber daquelas novidades.
A graduation é talvez ago que os estudantes britânicos não valorizam. Tal como eu não ligo em Portugal. Mas para nós que viajámos de outros lugares, juntámos dinheiro, estudámos em língua estrangeira, aprendemos ali os costumes de outra terra, para nós, os alunos do Mestrado de Jornalismo Internacional, aquele momento teve um gosto especial.
Munidos de umas vestes tiradas directamente de um filme do Harry Potter, chapéu à filme, e ar solene, entrámos no St David's Hall. Ouvimos os discursos , em inglês e galês. Os professores vestiam uns fatos ainda mais impressionantes - os britânicos, caraças, sabem fazer as coisas com pompa! Havia uma banda e uma plateia de familares orgulhosos. E nós, que nem família que somos, acenávamos aos muitos e queridos amigos que não eram da nossa turma mas fizeram questão de estar na audiência a tirar fotografias e torcer por nós. Nunca, por um segundo, me senti sozinha. Sentia apenas uma energia inebriante, um nervoso miudinho, uma sensação clara de "this is it" - depois disto acabou. O sentimento geral, acho que posso dizer, era de orgulho e alegria, mas também de tristeza pelo fim desta etapa tão maravilhosa.
Quando finalmente chegou a nossa vez, em fila quase a entrar no palco, um amigo olhou para trás, para onde eu estava, e disse "I'll see you on the other side". E assim foi. Deixei de ver o resto das pessoas, deixei de perceber onde estava. Ouvi o meu nome ser chamado - com uma pronuncia bastante aceitável! - entrei no palco e com um sorriso meio aparvalhado apertei a mão do Vice-Chancellor, homem que apertou milhares de mãos em 3 ou 4 dias. E ainda assim, as suas felicitações pareceram-me sinceras.
Nessa noite todos ríamos. Eu sentia-me numa bolha. O momento era tão esmagador para mim: o regresso a Cardiff, a graduation, o fim do estágio em Glasgow, a ida para Macau.
Como tinha que apanhar um autocarro tardio, fui ficando. Disse adeus a todos os meus amigos, um por um. No fim, só me apetecia chorar. Aquelas pessoas, dos 4 cantos do mundo, foram afinal a minha família nos últimos dois anos. Vivi com eles tudo: o stress das aulas, as crises de identidade, o choque cultural, a busca de casa, as compras do supermercado, os desgostos de amor, as bebedeiras, as ressacas, as jantaradas, os filmes, os BBQs no parque, os dias de chuva, as mudanças de casa, as buscas de emprego, os part-times e a total ausência de dinheiro. Vi-os no seu melhor e no seu pior. Aprendi a dizer frases nas suas línguas e eles aprenderam na minha.
Não sei quando os vou voltar a ver. Se calhar nunca.
Esse autocarro levava-me a Bristol, de onde parti para Glasgow. De directa e pronta para outra aventura, aterrei no mundo dos street papers.
Demorei algum tempo a ajustar o coração, mas quando finalmente olhei em volta e me deixei contagiar pelo espírito da conferência, percebi que aquele estava a ser sem dúvida a experiência profissional mais significativa da minha breve carreira. Um evento que é muito mais do que trabalho, é também um exemplo e uma inspiração a nível pessoal.
No Crown Plaza hotel reuniram-se mais de 80 jornalistas, editores e não só, vindos de 20 países diferentes. Cada um com o seu projecto mas todos unidos por um objectivo: fazer bom jornalismo e ajudar os sem-abrigo. A sinceridade e o empenho daquelas pessoas que trabalham quase sem dinheiro nenhum foi das coisas mais bonitas que já presenciei. Os workshops foram vibrantes, a troca de ideias surpreendente e o espírito de entreajuda comovedor. Curiosamente, o único cínico era mesmo o português, um homem embirrante e amargo que não mais fez que ridicularizar os colegas. Felizmente estava lá eu para dar boa imagem ao país!
Em Portugal o jornal de rua, a Cais, não é muito proeminente. Mas noutros países, os jornais de rua são verdadeiras forças de mudança. Uns são apenas uma folha de papel a preto e branco, outros são revistas que apetece comer, com paper brilhante e fotografias de fazer inveja. Uns são muito activistas, outros generalistas. Desde março que troco emails diariamente com os jornalistas destas publicações. Até à conferência eles eram apenas emails, arroba qualquer coisa ponto com. Mas desde quarta-feira que passaram a ser caras, abraços e "obrigadas". Todos sabiam da minha viagem para Macau (afinal, são jornalistas!), todos me desejaram felicidades, todos agradeceram o nosso esforço, enquanto rede, para os ajudar. A minha vontade era responder que quem devia agradecer era eu, que sou hoje uma jornalista infinitamente maior e melhor, graças ao seu exemplo.
A conferência é a recompensa por tudo o que fazemos ao longo do ano. É quando vemos que aqueles jornais são pessoas. Pessoas que ajudam pessoas. Este ano tivémos o prazer de receber uma vendedora de um jornal canadiano - uma verdadeira inspiração.
Muitas coisas aconteceram durante a confêrencia. Tivémos painéis de discussão com verdadeiras celebridades do ramo, jornalistas da Reuters, o impressionante repórter especializado em direitos humanos Billy Briggs e o lendário fotógrafo americano David Burnett, por exemplo. Burnett e o seu colectivo Photographers for Hope, organizaram um workshop com os vendores do jornal de rua britânico, Big Issue. Este workshop resultou numa exposição de fotografia absolutamente maravilhosa, onde tivemos a oportunidade de conhecer os novos "fotografos". O Daniel, o Malky e a Joan brilhavam, orgulhosos de ver as suas fotos no edifício da BBC Scotland e contentes por serem o centro das atenções.
A conferência culminou na entrega de prémios. Uma cerimónia com pompa e circunstância onde premiámos a melhor reportagem, entrevista, capa, design e vendor essay. Para mim foi melhor que os Oscares. No fim, tivémos direito a uma sessão de dança tradicional escocesa, o Ceilidh. Como escoceses haviam poucos, foi algo a roçar o hilariante. Pela parte que me toca, deixei de perceber onde tinha os pés ao terceiro rodopio.
O novo estagiário, que começou uma semana antes da conferência, está agora integradíssimo. Não há realmente melhor forma de começar.
Nem de acabar.
4 comentários:
Odeio-te tanto neste momento por me deixares à beirinha de um ataque de choro.
E por teres usado aquele traje também.
oh... sorry*
No need to apologize
;)
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